Uma exposição de arte como ato pedagógico
Libéria Neves
“Seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta já passou por ele antes de mim.” Essa frase, atravessada por tantas (re)traduções, é atribuída ao inventor da psicanálise, Sigmund Freud. O que ela nos diz? Que a arte consegue abordar os desafios do mundo humano antes mesmo que a ciência possa formular uma teoria, antes mesmo que a filosofia possa sugerir uma hipótese. A arte, por meio de seus recursos simbólicos e imaginários, toca o impossível de ser apreendido pelas formas dadas para a construção, a organização e a transmissão do conhecimento. Por isso, muitas vezes, uma obra de arte – visual (plástica ou cênica), sonora, literária ou mesmo digital – causa certo estranhamento, no sentido de nos remeter a algo “infamiliar”, ou seja, a algo não compreendido, embora não desconhecido.
Isso se mostra mais presente nas expressões artísticas contemporâneas, aquelas em que forma, conteúdo e suporte implodem as regras de comunicação e permitem que o “sem sentido”, que habita a linguagem, alcance a potência da singularidade interpretativa de cada sujeito que “especta” a obra de arte.
Assim, trago para esta conversa o trabalho do artista mineiro Paulo Nazareth, um trabalho que inclui seu corpo, seu nome, seus gestos, e os atos e os objetos que surgem disso.
A obra de Paulo Nazareth escapa ao registro do óbvio, embora faça uso do simples e do cotidiano para trazer à tona camadas nada superficiais do ilógico, presente nas formas absurdas de organização social, naturalizadas de modo estético e político – o que determina as possibilidades de ser, de ver, de sentir, de pensar.
“Pedagogia” é o título dado ao conjunto de trabalhos que compõem a “Ocupação Paulo Nazareth”, instalada na Faculdade de Educação da UFMG.
Cada parte do todo nos remete ao engano do simples. Desenhos, personalidades vocalizadas pelo próprio artista, objetos (re)contextualizados, móveis antigos até então guardados nos depósitos da instituição, compõem uma atmosfera de desconstrução em meio à perpetuação do gozo ridículo da colonialidade. E nem por isso não ainda dominante.
O que os trabalhos da “Ocupação” nos ensinam? Talvez, que não adianta guardar o mobiliário arcaico nos depósitos, quando o arcaico prevalece em nossos pensamentos e atos pedagógicos. Ou mesmo que pedagogizar enseja um arcadismo constituinte, quando se reverte em organizar tempos e espaços para ensinar o que precisa ser aprendido. Por mais que tentemos modernizar nossas práticas e aproximar os conteúdos curriculares das experiências cotidianas, ainda assim, somos arcaicos.
Mesmo quando atacamos a colonialidade, não raro o fazemos a partir de uma matriz colonial. Trata-se de uma matriz que parte de um ideal: um modo de compreender, responder, corresponder, acertar, se comportar. E o que escapa a isso, a cada época – desde a chegada dos jesuítas até ontem de manhã -, vem sempre tratado como exótico, inferior, inadequado, fracassado, desinteressado, inapropriado, deficiente, deficitário, diagnosticado, laudado, medicalizado.
A Faculdade de Educação da UFMG se entende na vanguarda do pensamento pedagógico. Eu mesma me pego acreditando no esperançar cotidiano presente em nossos currículos de formação, em nossas propostas ultra inovadoras de dar aulas em formato circular dentro do espaço universitário. De certo, nada além de um engodo pacificador da culpa que atormenta (levemente) os herdeiros e herdeiras da branquitude estrutural.
“Pedagogia” não é um trabalho de arte que traz, de forma linear, a denúncia da escolarização como prática colonial. Os fragmentos, na Ocupação, compõem um todo poético, jocoso e mesmo cínico, que incomoda a partir da familiaridade do inóspito que a boa intenção estúpida não cessa de não velar.
Nesse sentido, ocupar uma faculdade de educação, com uma obra artística dessa natureza, pode significar uma intervenção pedagógica potente, capaz de abordar o sentido do termo decolonialidade em ato.
E assim, o artista alcança o que o cientista almeja!