Questão de gênero professor

Henrique Caixeta Moreira

Dentro da política escolar a palavra gênero é um grande bicho papão que aparece para pôr terror na vida dos professores, pais e gestores escolares. Muito disputada na mídia e nas rodas de conversa sobre educação, “gênero” por vezes surge como um marcador político separando as pessoas entre aqueles que são a favor e aqueles que são contra. Mas isso faz sentido?

Não! Não faz. E escrevo isso com veemência não para desrespeitar o debate que existe sobre o conceito, mas para chamar a atenção para a simplicidade dessa disposição (a favor ou contra) e como ela esvazia a discussão favorecendo o medo e a desordem nas conversas sobre educação.

Uma pesquisa simples no Google conceitua gênero como: gênero é um conceito que diz respeito aos papéis sociais e comportamentos que culturalmente foram associados ao sexo biológico das pessoas. Retiramos esse trecho da primeira resposta que o buscador nos ofereceu, e ela nos traz dois pontos-chave para entender um pouco mais sobre gênero e o medo que ele causa nas discussões. O primeiro é a ideia de sexo, ou sexo biológico.
Se você nasceu antes dos anos 2010, provavelmente teve que assinar e preencher formulários que tinham a palavra “sexo”, seguida de dois quadradinhos (masculino e feminino) para serem riscados. Esses quadradinhos inclusive deram origem a uma conhecida piada na qual Joãozinho, o famoso, pergunta à sua mãe o que é sexo e ela lhe dá uma complexa explicação sobre homens e mulheres que se amam, deitam juntos e fazem filhos, que é respondida pelo menino com “acho que isso não cabe nesse quadradinho”. Sexo ou sexo biológico era o marcador comum de separação formal de “homens e mulheres” até um determinado tempo atrás. Então, para a organização da sociedade, nós éramos separados entre aqueles do sexo masculino e aqueles do sexo feminino. Sem problemas, certo? Errado. Essa classificação biológica deixa para trás diversas pessoas e condições. Como as pessoas intersexo, ou pessoas com condições genéticas que fogem ao básico XX e XY que se aprende nas aulas de nível básico de biologia. Outro problema é que ser do sexo masculino não faz alguém homem, nem ser do sexo feminino faz alguém mulher.

Homem e mulher são separações de gênero, isto é, são separações sociais e culturais associadas ao sexo biológico. Ou seja, nós sempre falamos de gênero, mesmo antes do termo virar um bicho papão nas escolas. Eu me lembro de quando era criança ouvir muito sobre ter comportamentos de homem, virar homem, agir como homem, etc. Para nós, enquanto sociedade, sempre foi claro que para ser homem era necessário bem mais do que apenas ter um pinto (ninguém fala pênis, né.). A mesma coisa sobre ser mulher, lembro das colegas que jogavam futebol ou brincavam de Ai! e Hoje não!, que sempre eram reprimidas dizendo que aquilo não era comportamento de menina.

O gênero então sempre esteve presente nas nossas conversas, discussões, vida cotidiana e na educação. Na escola, havia brincadeira de menina e de menino, jogo de menina e de menino, desenho de menina e de menino. Tudo era separado a partir do que se espera de comportamento para homens e mulheres, e não pela genitália ou pelos cromossomos, como o sexo dá a entender.

O problema de gênero começa quando assumimos seu caráter cultural e social por inteiro. Porque a sociedade e a cultura tem uma característica simples que deixa todos nós de cabelo em pé. ELAS MUDAM! Isso mesmo, a cultura e a sociedade mudam, mudam seus comportamentos, seus paradigmas, suas formas de olhar o mundo, formas de viver, de se vestir e de ser. Isso representa um problema, pois aquilo que aprendemos a um tempo atrás pode se mostrar obsoleto num estalar de dedos. O medo dessa mudança, o medo de ficar para trás, fez com que boa parte da sociedade torcesse o nariz para o gênero (ignorando que ele sempre fez parte da nossa vida) e taxando ele de ideologia.

Falo novamente com veemência, não existe ideologia de gênero. Taxar o gênero como ideologia é uma tentativa frustrada de ignorar que o gênero sempre esteve na nossa vida e organizando nossa forma de viver. Nossa sociedade e cultura têm se tornado cada vez mais inclusivas, isto é, temos acolhido e trazido para o centro do debate a diversidade e as nossas diferenças. Isso significa que antes o que era varrido para debaixo do tapete, como a diversidade de sexualidades, de gênero, de cores, corpos, formas de pensar, etc, agora é trazido para o centro do debate. 

Antes, fingíamos que a diversidade não existia. Tentávamos ver o mundo em duas cores, preto no branco, e ignorávamos que isso não era o suficiente. Para tentar alinhar as pessoas ao nosso preto no branco usávamos da violência. Lembro de uma vez que um colega beijou outro menino no banheiro da escola e o seu pai, no mesmo dia, na hora da saída, bateu nele na frente de toda a escola dizendo “isso é pra você aprender a virar homem”. Evidentemente que isso não fez ele deixar de ser gay, apenas o humilhou.

O gênero e sua diversidade sempre existiram e vão continuar existindo. Ignorar, tentar apagar ou jogar pra debaixo do tapete esse fato não vai mudá-lo, mas com certeza inibe nossa condição de tratar isso da melhor maneira possível. Gênero não precisa ser um bicho papão, tudo o que precisamos para trabalhar com ele é estarmos abertos. Estarmos abertos a ouvir as queixas dos estudantes, abertos para aprender suas novas nomenclaturas, estarmos abertos para repensar nossa forma de organizar o ensino e sua prática e estarmos abertos para acolher a potência e diversidade dos que são fundamentais à educação. Os educandos.

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