Por onde andam os meninos Maluquinhos?

Jacqueline Caixeta

Nos despedimos de Ziraldo, uma despedida doce, leve, pois quem foi tão encantador na vida, não poderia ter se despedido de outra maneira. Dormiu, dormiu e adormeceu em si tanta vida vivida. Dormiu e adormeceu em si, sua arte que nos encantou por tanto tempo. Dormiu, e se deixou levar pela eternidade com a mesma leveza de seus traços marcados em tantas histórias contadas. Dormiu e, assim se despediu.

Sua partida me fez revisitar seu legado e fui buscar, na levadeza e inocência do menino com a panela na cabeça, algumas reflexões que quero compartilhar aqui.

O MENINO MALUQINHO não foi apenas um livro que virou filme, peça de teatro e lhe rendeu muitos prêmios. Na verdade, hoje, nostálgica com sua partida, percebi que o menino maluquinho tem muito a nos dizer. Na verdade, Ziraldo, com toda a sua alma de artista, captou muito mais com sua obra do que pretendia. O menino maluquinho foi um grito de alerta para nós. É, é isso mesmo. Talvez aquele menino que colocava a panela na cabeça, que voava na bola e caia de lado, de frente, de pernas pro ar e de bunda no chão, tenha sido um recado para nós.

Aquela infância que tirava o sono de sua mãe, desafiava o universo, querendo voar ao invés de andar, que saltava como se tivesse mola nos pés, que empinava pipas que ele mesmo fazia na companhia do pai, que se deliciava com as guloseimas da avó. Talvez aquela infância, narrada com tanta maestria por Ziraldo, estivesse com seus dias contados.

Ah, que triste saber que o menino maluquinho possa ter sido o último menino a brincar na rua, a jogar bola em campinhos de futebol, a se soltar, correr, pular, brincar.

O que fizeram com os meninos maluquinhos de ZIRALDO? Por onde andam esses moleques? Em qual esquina se perderam de suas infâncias? Em qual rua a alegria de viver, não se cruzou com a energia de saltitar? Em qual espaço de tempo, o tempo foi tão cruel que fez desaparecer esses levados? Quem lhes roubou a infância?

Refletindo assim, saio (revoltada) das páginas do livro, e volto para os dias atuais. E aí, dói um pouquinho quando começo a tentar responder minhas perguntas…

Se encontrássemos hoje com o menino maluquinho de Ziraldo, certamente iríamos levá-lo ao consultório de algum especialista em busca de algum diagnóstico. E, com certeza absoluta, iriam encontrar, entre tantas silglas, uma etiqueta para ele. Após etiqueta colocada e carimbada por um cid, iam propor medicamentos, terapias, conselhos de “como fazer seu filho” ficar quieto. 

Quero abrir um espaço na minha fala pra dizer que algumas crianças realmente necessitam de serem levadas a consultórios médicos, serem medicadas e encaminhadas para terapias, não estou generalizando. Como educadora, tenho plena ciência de que existem casos que necessitam de um olhar específico. O que quero debater é: e os que não precisam? Os que são apenas crianças, meninos maluquinhos em seus corpos infantis, que tudo o que precisam é de espaços para seus movimentos e liberdade para suas criações?

O que, de fato, estamos fazendo com essas crianças que precisam apenas de serem crianças? Para o bem estar de pais que não descobriram o tamanho da responsabilidade da parentalidade e querem que seus filhos sejam quietos e calados, principalmente quando estão ocupados (infelizmente na maioria do tempo), para as escolas que querem que crianças em sua primeira infância fiquem caladas e quietas porque existem regras que foram criadas, não levando em consideração o que a infância representa, para o “bem de todos e felicidade geral da nação”, usam siglas que lhes permitem etiquetar e medicar crianças.

A indústria farmacêutica dá pulos de alegria com tanta incompetência de pais, escola e especialista que, infelizmente, acabam dando diagnósticos que agradam a todos. Estamos produzindo robôs em série! Estamos, com nossa falta de tempo e paciência, calando nossas crianças, sossegando seus corpos livres, como se fossem amarrados para não se movimentarem muito, para não fazerem barulhos, não esbarrarem em nada. Enfim, somos cúmplices de um crime: a morte da infância saudável.

Por onde andam nossos meninos maluquinhos? Respondo: estão presos em siglas e sendo medicados para que os adultos tenham paz. Estão sendo silenciados por pílulas, não as da Emília, de Monteiro Lobato, que fez a boneca tagarelar, mas pílulas que amordaçam seus desejos, sonhos, que calam sua criatividade.

Ah, Ziraldo, que bom que seu “MENINO MALUQUINHO”  acordou em mim esse grito hoje. Que bom que esse menino que trazia a panela na cabeça me convidou a trazer minha fala de revolta, mas, ao mesmo tempo, de esperança por ver brotar, quem sabe, na mente de quem for ler meu texto, um desejo de querer que seu filho corra, salte, fale, cante, tagarele pela vida sendo simplesmente uma criança feliz para que, a exemplo do Maluquinho, se torne um adulto feliz.

Com afeto,

Jacqueline Caixeta

7 comentários em “Por onde andam os meninos Maluquinhos?”

  1. Jaqueline, excelente e pertinente a sua reflexão. Sempre falo que gosto de criança levada, que apronta. São os adultos mais bem resolvidos. BELA REFLEXAO.

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