O que as escolas podem aprender com a crise no Rio Grande do Sul?

Paulo Henrique de Souza

As soluções para a crise climática estão ao nosso alcance, mas, para resolvê-las, precisamos tomar medidas urgentes hoje em todos os níveis da sociedade. (Al Gore)

Em 2006, Al Gore  gravou um TEDX sobre “Como driblar a crise climática”, e neste ano de 2024 estamos enfrentando a crise que assola o Rio Grande do Sul. Tudo o que estamos passando enquanto sociedade brasileira oferece lições valiosas para o sistema educacional, destacando a importância de uma abordagem mais robusta e prática na educação ambiental. Esta situação urgente exige que as escolas integrem de maneira mais eficaz os temas ambientais nos currículos, proporcionando aos alunos um entendimento profundo dos desafios climáticos e as ferramentas necessárias para enfrentá-los.

Primeiramente, a educação ambiental precisa ser incorporada de fato em todas as disciplinas, de forma transdisciplinar, o que significa uma intencionalidade pedagógica de um planejamento que seja executado, transcendendo o ensino das ciências naturais. É fundamental que os alunos, desde a primeira infância, participem de projetos práticos, como hortas escolares e reciclagem, que não apenas reforçam o aprendizado teórico, mas também incentivam a responsabilidade ambiental e a participação ativa na conservação do meio ambiente.

A crise também sublinha a necessidade de desenvolver competências que preparem os alunos para agir de maneira sustentável e solidária no presente e no futuro. Habilidades como pensamento crítico, solução de problemas, colaboração e inovação são essenciais para a busca de soluções ambientais eficazes. Essas competências ajudam a formar cidadãos que não só compreendem os desafios climáticos, mas que estão prontos para enfrentá-los de maneira criativa e eficiente.

Além disso, a adaptação, a resiliência e, sobretudo, a antifragilidade são qualidades essenciais que as escolas devem desenvolver no imaginário de seus educandos. A capacidade de lidar com mudanças e adversidades, tanto no contexto ambiental quanto em outros aspectos da vida, é vital para o desenvolvimento de uma sociedade antifrágil. As escolas devem promover a criatividade e a inovação, incentivando os alunos a pensar “fora da caixa” e a encontrar soluções únicas para os problemas ambientais.

Em meu livro “Escolas Antifrágeis – Desafios educacionais em um mundo pós-pandêmico” trabalho a ideia de que a escola deve ser um sistema antifrágil que não apenas suporta choques e estresses, mas também se beneficia com eles, crescendo e evoluindo a partir das mudanças e das adversidades. Por exemplo, uma escola que consegue se reconstruir rapidamente  após as mudanças e as demandas provocadas pelas enchentes no Estado, e recuperam a autoestima e o foco de sua comunidade escolar para gerar impacto positivo, sempre será lembrada como antifrágil.

O engajamento da comunidade é outro aprendizado essencial. A ação coletiva é fundamental para enfrentar crises climáticas, e as escolas podem atuar como centros de conexão entre alunos, famílias e a comunidade em geral. Parcerias para projetos ambientais, eventos comunitários e campanhas de conscientização são maneiras eficazes de envolver todos os membros da comunidade escolar na luta pela sustentabilidade.

O uso de recursos locais e o conhecimento da história, geografia, fauna e flora local também desempenham um papel importante na adaptação às mudanças climáticas. Incorporar esses conhecimentos nos programas escolares pode fornecer soluções específicas para os problemas ambientais da região, utilizando materiais e recursos disponíveis localmente. Trata-se da conexão entre o local e o global.

A tecnologia e a inovação são aliadas importantes na luta contra a crise climática. As escolas devem integrar tecnologias sustentáveis em suas práticas e ensinar o uso responsável dessas tecnologias, destacando tanto seus benefícios quanto os possíveis impactos ambientais.

Inegavelmente as escolas  privadas ou públicas que desejarem ser inovadoras devem sintonizar seus currículos com os ODS – Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, sobretudo no que tange à crise climática, pois estão intrinsecamente ligados, representando um dos maiores desafios para a realização dessas metas globais. Estabelecidos pela ONU em 2015, os ODS são um conjunto de 17 objetivos que visam erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir a prosperidade para todos até 2030. 

A crise climática, impulsionada principalmente pelas atividades humanas que aumentam as emissões de gases de efeito estufa, ameaça diretamente a realização desses objetivos, afetando diversas áreas críticas como saúde, pobreza, segurança alimentar e recursos naturais.

O ODS 13, que se concentra especificamente na ação contra a mudança global do clima, destaca a necessidade urgente de medidas significativas para reduzir as emissões de carbono e promover a resiliência climática. No entanto, a crise climática não afeta apenas este objetivo, mas tem implicações diretas e indiretas em quase todos os outros ODS. Por exemplo, a erradicação da pobreza e a garantia da segurança alimentar são profundamente impactadas por desastres climáticos que devastam colheitas, destroem meios de vida e deslocam populações. As mudanças no clima também afetam a saúde pública, aumentando a incidência de doenças e criando novas ameaças à saúde mental devido a desastres naturais e deslocamentos.

Além disso, a disponibilidade e a qualidade da água, fundamentais para o ODS 6, são seriamente comprometidas pelas alterações nos padrões de precipitação e pela intensificação de secas e inundações. A promoção de energia limpa e acessível, conforme descrito no ODS 7, é fundamental para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e mitigar a crise climática. No entanto, a transição para fontes de energia renovável exige um compromisso global e uma cooperação significativa entre nações, setores e comunidades.

As cidades (como agora Porto Alegre  e outras do Estado), abordadas no ODS 11, são grandes contribuintes para a mudança climática, mas também são altamente vulneráveis a seus impactos. Promover a resiliência urbana e implementar infraestruturas sustentáveis são passos essenciais para criar comunidades que possam enfrentar os desafios climáticos. Da mesma forma, os ecossistemas marinhos e terrestres, que são foco dos ODS 14 e 15, sofrem diretamente com os efeitos da crise climática. Proteger e restaurar esses ecossistemas é vital para manter a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos que sustentam a vida no planeta.

A abordagem integrada dos ODS exige que a crise climática seja enfrentada de maneira transversal, considerando as interconexões entre os diferentes objetivos. Medidas de mitigação e adaptação climática devem ser incorporadas em políticas de desenvolvimento sustentável que abordem simultaneamente os desafios econômicos, sociais e ambientais. A ação climática não pode ser vista isoladamente, mas deve ser um componente central de uma estratégia global para o desenvolvimento sustentável.

Para enfrentar a crise climática e alcançar os ODS, é necessário um esforço coletivo e global. Governos, empresas, organizações da sociedade civil e indivíduos precisam trabalhar juntos para implementar soluções inovadoras, políticas eficazes e práticas sustentáveis. A cooperação internacional é essencial para compartilhar conhecimentos, tecnologias e recursos que possam limitar o aquecimento global e construir um futuro mais sustentável.

Por fim, a crise climática destaca a necessidade de formar cidadãos engajados politicamente. As escolas têm a responsabilidade de incentivar o ativismo ambiental entre os alunos, ensinando-os a se envolverem em políticas públicas e a defenderem mudanças sustentáveis. Promover a cidadania global, conectando questões locais de mudanças climáticas às discussões globais, é essencial para uma abordagem holística e eficaz.

A crise climática no Rio Grande do Sul serve como um triste alerta para a importância de uma educação voltada para a sustentabilidade. As escolas têm a oportunidade e a responsabilidade de despertar uma geração consciente e capacitada para enfrentar os desafios ambientais, promovendo uma cultura de responsabilidade e inovação sustentável.

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