Até quando ficaremos presos?

Jacqueline Caixeta

Minha reflexão de hoje vai para os estudantes que estão se debruçando em seus livros  nos cursos de licenciatura, sem questionar o sistema, e acabam  deixando-se  levar, como se fossem peças de uma produção industrial, e para os teóricos da educação que se perdem em mil reuniões para discutir a educação no Brasil, sem nunca terem pisado em uma sala de aula na vida.

Alguém disse que precisamos ter uma “matriz curricular” ou, se preferirem, uma “grade curricular” para que a oferta da educação seja justa para todos os alunos. Tudo que se propor a ensinar no sul do país, deve ser exatamente igual no nordeste. Todos os estudantes devem aprender o mesmo conteúdo, desenvolverem as mesmas  habilidades e competências. Pensando nesta “igualdade” de oferta, nos  prendem dentro de uma matriz, que, como o nome mesmo sugere, quer formatar todos do mesmo tamanho e espessura, como fazem em fábricas de produção em grande escala. Ou nos colocam presos em grades, que nos remetem a prisões onde nossos pensamentos não podem ultrapassar os limites da grade, assim como os presos em penitenciárias, que seus corpos não podem ultrapassar as grades de ferro.

Ora bolas, que país é esse? Quem foi que disse que o estudante do sul, cercado por uma geografia totalmente diferente da do nordeste, deve ter o mesmo conhecimento? O Brasil é um país imenso em território e diversidade, e as matrizes e grades querem nos dizer que todos devem caber no mesmo sistema. Aí, você pode dizer, mas o que se sugere é o básico, o que deve ser comum a todos, a escola, as regiões, têm autonomia para criar seus currículos partindo desta base comum curricular. E eu respondo: isso é lindo e é lei, mas quem pratica? O que percebo são escolas reproduzindo o mesmo do mesmo sempre, não levando em consideração a realidade local. O que vejo são faculdades, em seus cursos de licenciatura, reproduzindo práticas do século passado, em que seus estudantes estão todos formatados dentro de uma fôrma, presos em suas grades ultrapassadas, sendo silenciados por professores que, estando no século passado, ainda fazem discursos teóricos distantes de sua práxis, com aulas vazias de significado.

A formação de professores deve ser visitada com mais criticidade. Não tem como permitir que os cursos que formam professores possam estar tão distantes deste século. Deve-se, com urgência, pensar questões sociais, políticas, pedagógicas e econômicas quando se pretende formar professores, e isso não está dentro daquela matriz ou grade.

A educação deve ser sempre um ato político em si. Precisamos questionar nosso currículo que ainda está no século passado, ainda oferta tão pouco para os estudantes. Como pensar na formação de futuros professores desvinculando questões sociais, econômicas e políticas? Como os cursos de licenciatura ainda insistem em “reproduzir em série” professores formados dentro de um contexto tão distante da realidade? A falta de criticidade, a pouca exploração do pensamento científico, levam nossos estudantes ao senso comum, e senso comum, como bem diz o nome, fica raso, no básico, sem fundamentação em nada.

Como queremos acreditar que a educação é a única chave para abrir portas para uma sociedade melhor se ainda ofertamos tão poucas oportunidades de questionarem o sistema? Se ainda estamos com a cabeça voltada para o pensamento de que temos que ter uma “matriz ou grade” únicas para tanta diversidade? Como nos libertar de uma educação elitista e injusta, se ainda nos deixamos prender dentro de grades e matrizes? Enquanto o educador não “virar a mesa”, vão querer nos colocar todos dentro de uma mesma caixa e vão insistir em nos fazer acreditar que isso é educação.

Educação pra mim, além de ser um ato político e social, é um ato de liberdade e criatividade. Não creio que eu possa ser chamada de educadora se eu permitir que façam isso com a educação. Não posso me calar, fazer de conta que tá tudo bem ao receber das faculdades estudantes para estágio que ainda estão sendo formados na mesma cartilha que fui e tanto critico. Isso me importa, me incomoda, sou educadora e não vou me calar.

A sala de aula é palco para a vida, e essa deve ser livre, ousada e criativa. Precisamos acreditar que podemos ir muito além do que as matrizes e grades nos dizem que somos capazes. Não queremos mais essa prisão.

Com afeto, 

Jacqueline Caixeta

3 comentários em “Até quando ficaremos presos?”

  1. Matheus Oliveira do Amaral

    Boa tarde! Como sempre, espetacular. Coisas tão óbvias, que nas mãos de teóricos, se complicam e tornam a educação chata e, na grande maioria das vezes, sem objetivos. Você escreve com facilidade e clareza. Parabéns!!!

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