Pensar a educação no Antropoceno com a simbiose

Mariana Dias Duarte Borchio

Francisco Ângelo Coutinho

O antropoceno, a “época dos terrores ambientais” (Tsing, 2021), o “tempo das catástrofes” (Sterngers, 2015), a notícia de que nos tornamos um força geológica capaz de moldar os estratos profundos do planeta e de colocar em risco o destino da vida na Terra, nos impõe a necessidade de produção de novas narrativas para rearticularmos nossa relação com o planeta e os demais seres que o coabitam conosco. Isso por que, até agora, nossas narrativas se desenrolaram em conformidade a um pensamento analítico e conceitual moldado pela ideia de categorização do mundo como se composto por entidades isoladas e que poderiam ser definidas conforme suas essências. Em consequência, a manipulação de tais entidades poderia ser realizada de modo preciso e sem grandes consequências. Donna Haraway, entre outros pensadores e pensadoras, no entanto, argumenta que o modo como nosso mundo se constitui mostra exatamente o contrário e que, portanto, deveria ser pensado por meio de um visão relacional, na qual se pudesse deixar manifestar toda a riqueza de trocas que ocorrem entre o seres vivos e não vivos.

Aqui, gostaríamos de nos situar explicitamente dentro dessa proposta, à qual poderíamos nos referir como uma ontologia relacional – na qual as relações constituem a existência – e de colocar como nosso objetivo apresentar o conceito biológico de simbiose como um potente organizador para contarmos histórias que descrevam paisagens sobre relações, interdependências e coprodução dos sistemas vivos. Com isso, queremos formas de educar que nos permitam prestar atenção à complexa coreografia da vida.

A simbiose está em todos os lugares (Margulis, 2022), sendo o contato físico requisito inegociável para que seja estabelecido um sistema em que membros de diferentes espécies componham complexas paisagens (Tsing, 2019) de cooperação. Os exemplos desse tipo de relação estão em todos os lugares, como nas bactérias que habitam nossos intestinos ou fungos que vivem nas raízes das árvores. A simbiose como fenômeno permanente e de longo prazo está na gênese das inovações das formas de vida em formas complexas com núcleos e a partir daí outros organismos como fungos, plantas e animais. Ou seja, a cooperação entre diferentes organismos, além de essencial para a manutenção da vida na Terra, é um conceito importante para se entender o surgimento de novas espécies.

Ao apresentar em sala de aula o conceito de simbiose para estudantes de 8, 9 e 10 anos, pudemos perceber a dissolução da noção de unidade e superioridade dos corpos humanos em relação aos demais seres com os quais habitamos o planeta. A compreensão de que cada corpo é um conjunto instável de minúsculas partes que cooperam para funcionar como uma unidade, abre fendas em muitas certezas sobre a suposta superioridade dos humanos como espécie já que, nessa lógica, nossos corpos passam a ser consequência da cooperação das espécies que nos antecederam e não mais uma revolução evolutiva que nos afastaria do restante dos seres.

As mitocôndrias, que estão dentro das células de animais, plantas, fungos e funcionam como usinas químicas provendo o metabolismo, ou seja, gerando a energia que move a vida,  e sua origem em simbiontes bacterianos, que pode ser constatada pela análise do DNA dessas organelas, se mostraram excelente recurso didático que retira a vida de uma lógica antropocêntrica e apresenta a dimensão do microcosmos e seus multiversos. Esses novos cosmos, seus mediadores e narrativas infinitas possíveis, retiraram daquele grupo de estudantes as certezas da lógica social/natural de vencedores e perdedores, possibilitando novas formas de pensar o futuro e sua complexidade por meio da cooperação entre todos os viventes em refúgios de vida. 

É importante dizer que refúgios de vida não são consequência da articulação apenas dos sistemas vivos que compõem as paisagens terrestres, sendo que os sistemas não vivos ou inorgânicos, por exemplo, ar, água e sol, também participam da composição dos mesmos. Considerando a ontologia relacional que mencionamos acima, cada paisagem, com seu cosmos, entendido como conjunto de entendidades, é composta de modos distintos e únicos de interação e existência e pode ser recomposta à medida que as potências de agir, os vínculos, as associações e as mediações são explicitados. Precisamos reconstruir entre os humanos modernos as noções de que todos os animais moldam o ambiente conforme seu interesse e que a mobilização de compostos químicos, por exemplo, agrotóxicos, petróleo e plástico produz consequências para a vida na Terra.  Dessa perspectiva, que busca ecologizar e capturar as articulações da vida, seguiremos dialogando sobre formas de educar no Antropoceno.

Para saber mais

Haraway, D. (2021). O manifesto das espécies companheiras: cachorros, pessoas e alteridade significativa. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo.

Margulis, L. (2022). O planeta simbiótico: Uma nova perspectiva da evolução. Rio de Janeiro: Dantes Editora.

Stengers, I. (2015). No tempo das catástrofes. São Paulo: Cosac Naify.

Tsing, A. L. (2019). Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no antropoceno. Brasília: Mil Folhas.

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