Histórias para reparar: a sala de aula como lugar de justiça e equidade
Alexandra Lima da Silva
Reconhecer e valorizar outras histórias e protagonismos é um movimento necessário e urgente no Brasil, país erguido nos pilares do eurocentrismo, da branquitude e do racismo, os quais estruturam as profundas e históricas desigualdades sociais existentes.
Dar visibilidade (o que é muito diferente de “dar voz”) às trajetórias plurais de pessoas e grupos historicamente silenciados pode ser um caminho para a promoção de reparação histórica através de outras práticas educativas, inclusivas e que reconheçam a dignidade humana. Em um país em que a memória é um direito negado à maior parte de sua população, que se autodeclara negra, romper os silêncios e discutir tais temáticas não é uma simples escolha individual, e sim assumir o compromisso social e ético das pesquisas produzidas no âmbito das Ciências Humanas.
Acredito que a sala de aula é também um lugar propício para dar visibilidade às sujeitas e sujeitos às margens da história. A sala de aula é o lugar para discutir na teoria e nas práticas cotidianas o conceito de “reparação histórica”, mas também promover reparação por meio de ações e produtos, através dos quais a população, ainda que em trânsito pela cidade, possa “reparar” (ver, ouvir e sentir) tais histórias, e educar-se.
Acompanhando o artigo 70 da Declaração da Conferência regional das Américas, realizada em Santiago, Chile, em dezembro de 2000, estipula que:
“a escravidão e outras formas de servidão que os africanos, seus descendentes e os povos autóctones das Américas foram vítimas, assim como o tráfico negreiro, eram moralmente repreensíveis, constituindo, em certos casos, crimes em relação ao direito interno e seriam, hoje, crimes no direito internacional (….) Por isso, os Estados que obtiveram benefício material com essas práticas deveriam adotar políticas, programas e medidas com vistas a reparar os prejuízos econômicos, culturais e políticos sofridos pelas comunidades e populações afetadas”.
Aprofundar o debate sobre as relações entre reparação histórica, cidadania e direitos humanos exige conversar e dialogar com diferentes áreas do conhecimento.
Na área de História, os estudos de Petrônio Domingos são referências fundamentais. Para o referido historiador:
“nas décadas de 1980 e 1990, a ideia das reparações disseminou-se nos EUA, resultando na fundação de múltiplos grupos dedicados à causa (National Coalition of Blacks for Reparations in America; Black Radical Congress; Transafrica, December 12th Movement; Nacional Black United Front) e na proliferação de livros, artigos e debates públicos que abordavam os aspectos históricos, econômicos, políticos, legais e morais de uma questão tão controversa. O Congresso Nacional norte-americano, em face da pressão levada a efeito principalmente pelos seus membros negros, discutiu em várias ocasiões projetos de lei sobre “desculpas, indenizações e monumentos de homenagem às vítimas do tráfico e da escravidão”. A questão ganhou mais destaque no final dos anos 1990, quando importantes líderes do movimento de direitos civis, “inclusive [o pastor e político] Jesse Jackson, e amplos setores da sociedade americana, passaram a apoiar tais reivindicações”. Louis Farrakhan e os seus militantes falavam em ‘holocausto negro’, tipificando a escravidão como o “most horrendous holocaust in human history” (DOMINGUES, 2018, p. 351).
Para uma análise que não homogenize as experiências e para uma leitura multidimensional e interdisciplinar, os conceitos de raça, classe, gênero e orientação sexual também são chaves de leitura cruciais. Neste ponto, recupero “experiência”, pois “para definir opressão o feminismo lança mão do conceito experiência, segundo o qual opressiva seria qualquer situação que a mulher defina como tal, independentemente de tempo, região, raça ou de classe social” (Luíza BAIRROS, 1995, p. 459). A incorporação de uma perspectiva mais interseccional e a partir de conceitos fundamentais do feminismo nas análises historiográficas é outro movimento perceptível na produção acadêmica a respeito das experiências de mulheres negras.
As heterogeneidades e diversidades não podem ser ignoradas quando se procura compreender tais experiências, uma vez que as mulheres, como sujeitos identitários e políticos, são resultado de uma articulação de heterogeneidades, resultante de demandas históricas, políticas, culturais, de enfrentamento das condições adversas estabelecidas pela dominação ocidental eurocêntrica ao longo dos séculos de escravidão, expropriação colonial e da modernidade racializada e racista em que vivemos (WERNECK, 2009, p. 151).
Um projeto de educação antirracista deve incluir toda a sociedade, em diferentes frentes de ação, pois a dívida histórica existente no país, de maioria negra, é imensa. A reparação histórica pode vir de diferentes caminhos. A proposta aqui é por meio de práticas pedagógicas e da educação, para toda a sociedade.