Enquanto os/as intolerantes mostram seus dentes – numa confusão entre medo, transfobia, raiva dos que atuam pela humanização de presídios e demais instituições –, os invisíveis, de vez em quando, tornam-se pauta. Estes só aparecem quando, de alguma forma, incomodam. Os invisíveis são os que estão em situação de cárcere, os imigrantes, os povos indígenas, os/as desempregadas(os), os sem teto, sem terra, quilombolas, as chamadas “mães solteiras” e todos que, de alguma forma, não se encaixam em padrões considerados dignos de serem respeitados.
Para os justiceiros de plantão, os mesmos que defendem uma meritocracia em formatos absurdos (sim, porque temos a segunda maior concentração de renda do mundo, segundo relatório da ONU, que considera o período de 2010 a 2017), a punição e o “cada um por si” é sempre o melhor caminho.
No caso em que esbravejam em decorrência da entrevista de Suzy, a quem interessa um sistema prisional desumano? As más condições das penitenciárias e do judiciário são parte do problema ou da solução? Se por um lado um indivíduo não hesita em cometer algum crime, por outro, a filosofia prisional do “quanto pior, melhor” parece não estar funcionando. Sobre a dúvida da impunidade, esta, para os “cidadãos de bem” são uma certeza, já que uma parcela mais abastada possui condições de cometerem crimes sem serem punidos ou, quando não cometem, mandam cometer por outras mãos.
Com o advento de pautas morais por parte do governo, uma parcela interessada no desmonte dos direitos trabalhistas – e, junto a ela, uma ala religiosa – se autodenomina como solução para um mundo melhor. Fica bem demarcado o intento de emplacar uma solução para o fim dos problemas que assolam a humanidade: eliminar os diferentes.
Aos diferentes é dado o rótulo ou de esquerdistas, ou de protegidos pelos esquerdistas. A nomenclatura pode variar também para “comunistas”. Todos os males do mundo estariam, de alguma forma ligado a estes, mesmo que, em última instância, os pressupostos teóricos dos comunistas estejam atrelado à coletividade em contraponto aos dos seus acusadores, que ora “endeusam” o capital, ora criam a imagem de um cristão deformado pelo capital (branco, hétero, homem, empreendedor e com impulsos de se sobrepujar em relação àqueles que irão servi-lo – considerados menos capazes, “certamente”). O termo “cristão deformado” se deve ao motivo de que, se cristão fosse, de fato, teria características muito mais próximas do rótulo alocado hoje como “comunista”.
Deteriorar a democracia é condição para que o capitalismo seja levado às últimas consequências. A imprensa (mesmo a empresarial) é considerada uma ameaça, pois, se ela tiver compromisso com a república, poderá atrapalhar os planos de grupos conservadores interessados no poder e, em decorrência, na exploração e/ou domíniodo ser humano.
A estes “cristãos deformados”, “falsos liberais” ou, para sintetizar, “afeitos ao fascismo”, realizar um filtro moral dos que “merecem” a assistência estatal pode significar uma mescla entre fascismo e uma espécie de estado mínimo que beneficia uma minoria.
Os invisíveis (invisibilizados, sabemos!) aparecem quando se mobilizam em torno da necessidade de terra para plantar; emprego digno, relevante e humanizador; proteção à sua cultura e formas específicas de organização; e mecanismos de justiça social. Dessa forma, é criada uma cortina de fumaça com pautas morais (como as que alocam como pretensos culpados das contradições sociais os mais pobres encarcerados, comunistas, participantes de movimentos sociais, dentre outros) a fim de esconder a necessidade de implantar mecanismos de justiça como uma reforma tributária que poderia beneficiar uma parcela dos “invisíveis”, alterando a distribuição de riquezas no país. Como é criada esta cortina de fumaça, isto não aparece nas pautas. Sobre estas necessidades de mudanças, é possível analisar o livro “A Reforma Tributária Necessária – Diagnósticos e premissas”, escrito por 42 especialistas e que, mesmo sendo algo reformista dentro do capital, dá uma dose de humanidade para os indivíduos.
A baixa cobrança de impostos sobre dividendos, renda e patrimônio fazem do Brasil um paraíso para os mais ricos, pois estamos em último lugar sobre estes impostos diretos (que poderiam significar justiça social para os 99,9% da população).
Estranhamente, para entender o que está acontecendo com Suzy e tantos outros invisibilizados, é preciso entender como o capitalismo está sendo praticado no nível nacional e mundial e como, no Brasil, as pautas morais colaboram para o fortalecimento de uma ínfima minoria mais rica. Aliás, este é um fenômeno que se dá em vários países que demonstram o fortalecimento da extrema direita, cada um com seus interesses, como, por exemplo, o combate à imigração.
Suzy e os outros invisibilizados (os em situação de cárcere, imigrantes, povos indígenas, desempregadas(os), sem teto, sem terra, quilombolas, dentre outros) estão sendo julgados por defensores raivosos de pautas afeitas ao fascismo e que pretendem alavancar um mundo cada vez menos diverso do ponto de vista cultural e cada vez mais desigual em relação ao acesso às riquezas (vale lembrar que riqueza não é sinônimo de dinheiro ou de alguns zeros na tela do smartphone).
A reação dos moralistas sobre aqueles que são considerados como “diferentes” (e, no caso em questão, sobre a matéria de Dráuzio junto à Suzy) é só a ponta do iceberg de assuntos ignorados e que tem muito mais a ver com o sistema social e econômico do que a gente possa imaginar.
Imagem de Destaque: TV Globo/Reprodução