Sexualidade e gênero nos trilhos da formação superior  

Welligton Magno da Silva

As políticas educacionais, do ponto de vista político, devem ser concebidas na perspectiva democrática, horizontal e plural, atendendo à multiplicidade de experiências que habitam o contexto educacional: o que exige um movimento de ruptura com qualquer idealização homogênea e fixa de educação e de processo educativo. Diante disso, neste trabalho, considerando que o contexto educacional produz, reproduz, atualiza e refina as contradições da sociedade, buscamos refletir sobre o preconceito contra não- heterossexuais na universidade e a negligência do ensino de sexualidades e gênero nos currículos de formação.

    Os relatórios produzidos pelo Estado Brasileiro sobre violência homofóbica no país são dados que explicitam a importância da interferência estatal no que tange à criação e ao fortalecimento de ações de institucionalidade para minimizar os prejuízos decorrentes das dinâmicas cotidianas de violência, opressão e negligência direcionadas a sujeitos não heterossexuais, sobretudo no contexto educacional (BRASIL, 2012, 2013, 2016). Nos referidos relatórios, a escola e o contexto familiar aparecem como principais locais de perpetração de violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (Brasil, 2016).

Ademais, em importante pesquisa realizada a nível nacional sobre diversidade sexual e homofobia no Brasil, autores relatam a inexistência de espaços institucionais livres do preconceito contra a população LGBT (Prado & Junqueira, 2011). Apostamos, portanto, que a invisibilidade dessas temáticas na formação participa ativamente do processo da reprodução do preconceito social contra a população LGBT nesses espaços, e que naturalizar esses dados na perspectiva de que são necessários para “o bom funcionamento” da sociedade e, consequentemente, manutenção das hierarquias sociais/sexuais pode corroborar os processos de desumanização de não heterossexuais, empurrando esses sujeitos para situações de vulnerabilidade social.

As universidades, para além de assegurar o monopólio de formas e conteúdos específicos de produção de conhecimento, são também legitimadas socialmente para desenvolverem determinadas funções, ocupando o lugar da razão. É nessa dinâmica que, sem questionar as violências produzidas pela própria racionalidade, essas instituições (re)produzem as práticas de desumanização sob a égide de que estão protegidas das variadas formas de ignorância e irracionalidade produtoras de violências de raça, classe, sexualidade, gênero e suas intersecções.

A universidade, sem dúvidas, assume um papel muito maior e mais complexo no que tange ao acolhimento desses sujeitos. São trajetórias marcadas por negligência afetiva e emocional, violências físicas, verbais, psicológicas, sexuais e materiais, humilhações e discriminações que impactam, diretamente e de forma negativa, o psiquismo desses sujeitos. Exatamente por isso, defendemos que as instituições devem ter como desafio não apenas a formação de sujeitos para a cidadania, mas também a transformação dessas consciências em identidades políticas, capazes de ressignificar as experiências negativadas de sexualidade e de gênero ao longo da vida para serem agentes de transformação social a partir das lutas cotidianas por (re)conhecimento e legitimidade. Com base no exposto, borrar as práticas institucionais de silenciamento se mostra como alternativa possível de potencialização das múltiplas possibilidades de expressão da sexualidade humana e manutenção da vida.

Por fim, são poucos os cursos de graduação que possuem uma grade curricular que contemple de forma satisfatória os debates de sexualidade e gênero. Tais temáticas ainda continuam relegadas no interior dos currículos de formação. O silenciamento e a invisibilidade funcionam como carro-chefe de garantia e de manutenção das injustiças produzidas historicamente. Além do mais, defendemos que as proposições de potencialização da diversidade sexual não devem ser pensadas e implementadas de forma arbitrária, sendo indispensáveis os movimentos de contextualização histórica. Isso quer dizer que o fortalecimento das políticas educacionais que objetivem (re)conhecer as experiências dissidentes nesses espaços precisa ser analisado em profundidade, pois capturadas pela expertise da norma, ações bem intencionadas podem reproduzir relações de poder (Seffner, 2013). É nesse sentido que se colocar ao lado das pessoas que fazem, ao invés de se colocar ao lado de pessoas que se recusam a fazer, torna-se imprescindível na reflexão e na luta pela transformação da realidade social de subalternidades (bell hooks, 2021).

Sobre o autor
Doutorando em Psicologia Social pela UFMG, Mestre em Psicologia pela UFSJ, Psicólogo pela UFRRJ, Especialista em Didática e Trabalho Docente pelo IFSMG e Professor de Psicologia no Centro Universitário UNIFACIG. Integra o Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (UFMG).


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