Há duas semanas, pouco antes de o ministro da Educação voltar atrás e anunciar que o contingenciamento de recursos para as universidades e institutos federais seria suspenso, o presidente Jair Messias Bolsonaro afirmou que nada faltava às instituições de nível superior e que, além do mais, elas estariam cheias de militantes que não perdiam tempo para “atacar a minha pessoa”. No mesmo dia, ao lado do apresentador de programas policiais José Luís Datena, insultou seu adversário na corrida eleitoral, Luiz Inácio Lula da Silva, a quem chamou de “pinguço”, e esbravejou contra o presidente do Superior Tribunal Eleitoral, Alexandre de Moraes. Este ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que o candidato à reeleição, teria um problema pessoal com ele, e por causa disso tomaria atitudes prejudiciais ao país.
Não foram as primeiras vezes em que o mandatário posou de perseguido, o que não deixa de ser um sintoma de quem se acha pessoalmente muito importante. Só para citar mais um exemplo, no primeiro debate entre os presidenciáveis, ao reagir a uma pergunta da jornalista Vera Magalhães, sugeriu, descontrolado, que ela adormecia pensando nele. Com isso ele mantém a flama de ser o “pequeno grande homem”, velho truque dos extremistas ao procurarem mostrar-se como pessoas comuns que, no entanto, malgrado “as elites” e “os poderosos”, logram triunfar.
Deixo para os psicanalistas a análise do comportamento errático, para dizer o mínimo, do candidato. Ocupo-me de outra questão, a partir da qual Jair nos oferece um bom exemplo das dificuldades em compreender as diferenças entre o que é da ordem do privado (competindo apenas a si mesmo e aos próximos) e o que pertence à esfera pública (sendo do interesse da sociedade). O presidente da República entende que as críticas se dirigem a ele, à pessoa, assim como supõe que a jornalista sonha com sua presença (uma mulher não poderia resistir a tamanho encanto), e que o STF o impede de governar. Além do défice democrático, há também um vazio republicano nesse tipo de postura.
Um dos grandes avanços perpetrados pela Constituição de 1988 foi o estabelecimento do mútuo controle entre os poderes, de modo a tentar evitar, pelo sistema de pesos e contrapesos, que se desenvolva uma autocracia. Mas isso só pode ser entendido e aceito por quem reconhece na democracia um valor irrefutável, sabendo, ademais, que a política se faz no confronto de diferenças, não no desvario da violência e anulação do outro. É por isso que Bolsonaro se diz vítima do STF, já que entende que, na condição de presidente (e comandante-em-chefe das Forças Armadas, como gosta de destacar, em que pese a carreira incompleta de oficial no Exército), deveria poder exercer o mandato como lhe apetecesse.
Bolsonaro não pertence e nunca pertenceu, de fato, a qualquer partido político. Escorado por filhos e outros fanáticos, alguns de ocasião, sua atuação se dá de outra maneira, é puro movimento. Por isso precisa gerar confusões e criar inimigos imaginários a cada momento. Logo após, como muitos já destacaram, se apresenta como alguém a pôr ordem no caos que foi por ele denunciado, mas que na verdade não existe. Não pode lidar com a estabilidade, mas tampouco suporta a incerteza da política, de forma que prefere o autoritarismo. Em outras palavras, foi eleito para uma tarefa, a de ser presidente da República, para a qual não estava – e não está – preparado.
Apesar disso tudo, Jair é um dos candidatos no segundo turno das eleições presidenciais e suas possibilidades de vitória são concretas. 43,2% dos votos válidos foram-lhe destinados no primeiro escrutínio, o que o habilita a sonhar com novo mandato, mesmo tendo passado ao pleito decisivo como temporário perdedor. Há muitas razões para tamanho êxito, e menciono apenas duas. A primeira é evidente, há uma identificação de parcela significativa da população com o espírito do autoritarismo brasileiro, axial em nossa formação, impulso que encontrou forma e nome no bolsonarismo; a segunda, talvez não tão óbvia, é a incapacidade de grande parte das forças democrático-populares em reconhecer que muitas das demandas e queixas das famílias trabalhadoras de extração conservadora emergem deformadas pela desinformação e pelo medo, mas podem ter raízes legítimas.
Jair Messias Bolsonaro é presidente da República e se apresenta como candidato à reeleição. Disso sabemos bem. Contudo, talvez seja necessário analisá-lo como sintoma, e não simples exceção, da experiência histórica do presente. A violência e o autoritarismo que nos constituem são eloquentes, mas não casuais, ao falarem por meio dele. Vale tirar algum proveito de tudo o que temos vivido, não sem sofrimento, para tentar entender um pouco mais sobre nós mesmos, sobre o Brasil.
Para saber mais
ANDRADE, Fernando Grostein de. Quebrando Mitos. https://quebrandomitos.com.br, 2022. (documentário).
NOBRE, Marcos. Limites da democracia: De junho de 2013 ao governo Bolsonaro. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. 370 p.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 288 p.
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