A EJA e “A Peste”

Ramuth Marinho*

Houve no mundo tantas pestes quanto guerras. E, contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas. (…) Quando estoura uma guerra, as pessoas dizem: “Não vai durar muito, seria idiota”. E sem dúvida uma guerra é uma tolice, o que não a impede de durar. A tolice insiste sempre, e compreendê-la-íamos se não pensássemos sempre em nós.
A Peste – Albert Camus

O livro “A peste”, narrativa provocativa publicada por Albert Camus em 1947, assumiu um tom de vaticínio dessa segunda década do século XXI. Não somente pela analogia imediata e superficial de vivermos uma situação de pandemia (“de peste”) promovida pela COVID-19, mas também pelo questionamento – tanto nos anos após a Segunda Grande Guerra, quanto nos idos atuais – das relações humanas e sociais, atravessadas pelo autoritarismo, pelas desigualdades sociais e pela mortandade.

Muitos podem argumentar, contudo, que a sociedade brasileira há muito é fortemente hierárquica, violenta, autoritária, racista, machista e homofóbica, entre outra mazelas… O que é verdadeiro e facilmente comparável, desde que o interlocutor interessado não esteja inoculado pelo vírus da ignorância e da servidão voluntária. Uma rápida pesquisa em alguns anuários oficiais brasileiros e constatar-se-á que o Brasil é campeão em mortes violentas; em assassinatos de pessoas da comunidade LGBTQI+ (uma versão reduzida de LGBTT2QQIAAP, que é uma sigla para caracterizar orientações e identidades de gênero não heteronormativas. Saiba mais); o 7º país mais desigual economicamente do mundo, segundo o último relatório divulgado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), ficando atrás apenas de nações do continente africano, como África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto e Moçambique. O levantamento tem como base o coeficiente Gini, que mede desigualdade e distribuição de renda; mais de 61% da população brasileira reconhece o racismo estrutural em nosso país e tantos outros indicadores que podem ser enfileirados para reforçar esse argumento.

Historicamente, os sujeitos-educandos da Educação de Jovens e Adultos/EJA são, em sua esmagadora maioria, parte dessa população aviltada diuturnamente em sua condição de dignidade humana, como belissimamente caracterizado em nosso primeiro texto dessa editoria. E são esses homens, mulheres, adultos, idosos, jovens e adolescentes da EJA que assistem a precarização ainda mais brutal e acelerada de sua condição humana e dos entes circundantes. Nada muito diferente daquilo que fora enunciado por Boaventura Souza Santos no ensaio “A cruel pedagogia do vírus”.

Essa “peste” do nosso tempo também provocou outras situações muito próximas àquelas descritas no livro de 1947: uma burocracia estatal atordoada, relapsa com os mais necessitados, preocupados PRIMORDIALMENTE com a situação econômica dos mais abastados; uma política negacionista da gravidade da situação que também se enraíza nas camadas populares (e as situações mágicas como última esperança de enfrentamento para essa crise); um debate público apartado das reais necessidades das pessoas – vide a decisão última do governo do Estado de Minas, em retornar com as atividades presenciais nas escolas públicas estaduais, sem dialogar com os sujeitos educadores e educandos que estarão na linha de frente do perigo, caso essa medida se efetive. Talvez, essa seja a única vez que a invisibilidade da EJA para as políticas públicas apresente desvantagem menor, já que no debate enviesado dos últimos dias – amplamente dominado pelos representantes do governo, especialistas em educação e em economia; e parcamente considerado as vozes advindas dos educadores e educandos das unidades escolares – sobre a retomada das aulas presenciais tanto a Educação Superior, quanto o Ensino Fundamental e Médio para crianças, adolescentes e jovens preenchem quase a totalidade da opinião pública.

Em minha irrelevância pessoal, fico “assuntando”, como diria Guimarães Rosa, que talvez nós, comprometidos com a educação popular e com educação libertadora, estejamos combatendo somente os “sintomas” dessa insistente “doença” social… Apenas suspeito que a “Peste” é uma outra coisa, um mal bem maior na forma em que vivemos! E como nos alerta Camus no parágrafo final do supracitado livro:

“…o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada. E sabia, também, que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz.”

* Professor da Rede Municipal de Educação de BH.  Membro do Comitê Mineiro da Campanha Nacional pelo direito à Educação; do Fórum Metropolitano de EJA e do Fórum Estadual Permanente de educação de Minas Gerais – FEPEMG.


Imagem de destaque: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

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