EJA direito social e humano

[vc_row][vc_column][vc_column_text]

Analise da Silva

Saúde e Paz!

Este é o primeiro texto da Editoria EJA em Pauta. Nela, traremos semanalmente textos sobre a Educação de Jovens e Adultos. Somos 17 autores e estamos na espera freiriana de que nossos escritos dialoguem com suas vivências na EJA.

Mas, o que é EJA? É o direito previsto na Constituição, conquistado por meio de uma luta histórica, para que pessoas com 15 anos ou mais de idade, que não tiveram direito de se escolarizar quando eram crianças e adolescentes, possam estudar agora que são jovens, adultas ou idosas.

E quem são os sujeitos desse direito? Essas pessoas são moradoras de ocupações urbanas ou rurais, negras, nativas, ribeirinhas, em restrição ou em privação de liberdade, pessoas com deficiência, pantaneiros, faxinalenses, pessoas LGBTQIA+, pessoas em situação de rua, estrangeiras, dentre tantos outros sujeitos, vítimas de violência social, vítimas de violências do Estado, enfim, 88 milhões de pessoas lesadas em seu direito constitucional à escolarização. Trabalham como extrativistas, cantineiras, faxineiras, motoristas de aplicativos, ambulantes, domésticas, diaristas, lavadores e tomadores de conta de carros, pedreiros, camponeses, profissionais do sexo, caminhoneiros, profissionais de serviços gerais. São pessoas trabalhadoras empregadas e desempregadas. Muitas delas são idosas. Muitas são jovens que não tiveram ainda seu primeiro emprego formal, muitas vezes, pela ausência da complementação de escolaridade. Portanto, são pessoas trabalhadoras informais, autônomas e desempregadas que não são alfabetizadas, que não concluíram o Ensino Fundamental, que não concluíram o Ensino Médio.

Dos 88 milhões de sujeitos do direito constitucional à escolarização na Educação Básica com 15 anos ou mais, 3,7% estão matriculados, no Brasil. Desses, 213 estão na UFMG, 32.665 estão em BH; 250.168 estão em MG e 3.273.668 estão em todo o país, o que equivale a afirmar que 96,3% do total dos sujeitos que tiveram seu direito negado quando eram crianças e adolescentes continuam tendo-o negado agora que são jovens, adultos e idosos, segundo dados do Censo Escolar/INEP 2019.

Nesse sentido, o conceito de sujeito educando da EJA não pode ser o de “coitadinho”; nem o de “clientes”, pois a Constituição diz que a oferta de seu direito à escolarização será gratuita; muito menos de “público”, uma vez que não estão assistidos pelas políticas educacionais. Logo, esse conceito não pode se pautar na falta. Precisa ser fundamentado no conceito de sujeito de direitos, dentre eles, o direito à educação escolar. Essa é a essência da Educação de Jovens e Adultos.

Em Belo Horizonte, há 54.810 pessoas não alfabetizadas com 15 anos ou mais de idade; 579.740 pessoas com 15 anos ou mais sem Ensino Fundamental e 343.360 pessoas com 18 anos ou mais sem Ensino Médio, ou seja, 39% da população da capital mineira.

Na pedagogia da EJA, a concepção de educação que norteia essa metodologia se institui no direito fundamental, universal, inalienável e que se constitui um dever do Estado. A educação é entendida como um instrumento de formação ampla, de luta pelos direitos da cidadania e da emancipação social, contribuindo para preparar as pessoas e a sociedade para a responsabilidade de construir, co-letivamente, um projeto de inclusão e de qualidade social para o país.

Ao Estado cabe a responsabilidade de assegurar esse direito a todos e todas e a cada cidadão e cidadã exigir educação de qualidade social, democrática, gratuita, inclusiva, laica, pública, universal e que se contraponha a todas as formas de discriminação, preconceito e ódio.

Como consequência, temos o objetivo de que todos, brasileiros e brasileiras, possam se tornar aptos(as) ao questionamento, à problematização, à tomada de decisões, buscando as ações co-letivas possíveis e necessárias ao encaminhamento dos problemas de cada um, da comunidade e da sociedade onde vivem e trabalham. A educação, nessa perspectiva, dirige-se ao ser humano integral, considerando todas as dimensões de sua relação com o mundo, inclusive com o mundo letrado.

Essas relações, atualmente, ainda reproduzem práticas discriminatórias e desconsideram aspectos culturais, históricos e subjetivos envolvidos na conformação dessas identidades, acarretando, consequentemente, dificuldades para o desenho da identidade de não alfabetizados por parte desses(as) educandos(as).

Novamente, a formação de professores(as) para o trabalho com pessoa não alfabetizada com 15 anos ou mais surge como um desafio na construção de uma escola inclusiva e de uma educação vista como direito de um sujeito reconhecido como possuidor desse e de outros direitos.

De outro lado, percebe-se que a maioria das ações propostas para a pessoa não alfabetizada, quer pelo poder público, quer por ONGs, com ou sem parcerias, estão numa dimensão de uma educação não formal, em espaços educativos não institucionalizados, embora com uma dimensão educativa.

Buscando somente um caso de práticas discriminatórias, reporto-me ao desembargador que ofendeu o guarda municipal e que, para desqualificar, subalternizar e humilhar seu opositor, o chamou de analfabeto. O uso desse termo, resultado da ausência de política pública, passa a ser um xingamento, um ataque àquele que, por não ter seu direito constitucional respeitado, se torna alvo da ira daqueles que o tiveram assegurado por questões histórias, econômicas, raciais e regionais marcadas e marcadoras dos preconceitos vivenciados pelos sujeitos de direitos da etapa inicial da Educação de Jovens e Adultos, a saber, da alfabetização.

A EJA é, portanto, um Direito Humano. Humano porque, quando ele é negado ao sujeito, outros direitos também o são e o gozo da Educação potencializa e viabiliza a prática de outros direitos. A educação escolar é um instrumento fundamental para o desenvolvimento econômico, social, cultural e político de um país, de um povo e de cada sujeito. Saber ler, escrever, interpretar texto e contexto é direito, visto que, sem essas ferramentas, não se efetiva o direito à saúde (se não leio a receita, posso adquirir medicamento trocado), à alimentação (se não leio a data da validade, posso ingerir alimentos estragados), ao trabalho (se não leio o contrato que “assino”, posso me submeter à informalidade e à flexibilidade propostas atualmente como forma de rompimento com a conquista de leis trabalhistas), à segurança (saber ler as letrinhas miúdas de um contrato pode me salvar de um golpe financeiro)… Enfim, sem leitura de mundo e de palavra não se efetivam todos os demais direitos sociais, como moradia, transporte, lazer, previdência social, proteção à maternidade, proteção à infância e assistência social.

Sigamos!


Imagem de destaque: Geyson Magno/MEC

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *