Por dentro da escola no dia 20 de abril

Patrícia Gonçalves Nery

“Ele gritou: Sou um LOBO! Mas a Chapeuzinho, nada. Chapeuzinho deu risada. E ele berrou: EU SOU UM LOBO!!! Chapeuzinho já meio enjoada, com vontade de brincar de outra coisa. Ele então gritou bem forte aquele seu nome de LOBO umas vintes e cinco vezes, que era pro medo ir voltando e a menininha saber com quem estava falando (…). Aí, Chapeuzinho encheu e disse: “Para assim! Agora! Já! Do jeito que você tá! E o lobo parado assim do jeito que o lobo estava já não era mais um LO-BO. Era um BO-LO (….).

BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo.

Estou realizando uma pesquisa com um grupo de crianças, entre 8 e 11 anos, que sofreram grandes impactos na aprendizagem da língua escrita, durante o período da Pandemia provocada pela COVID- 19. Muitas delas encontram-se no processo inicial da alfabetização, sendo que a maior parte do grupo é composta por meninos. A escola optou por formar, com essas crianças, uma turma projeto de alfabetização.

Estou dentro de uma escola pública municipal de Belo Horizonte e faço parte desta turma. No mês de abril, uma atmosfera nebulosa de ameaças, provocando-nos medo e insegurança, simulada, principalmente, nas redes sociais, tomou a todos nós, mães, pais, estudantes e profissionais da escola, de forma súbita. Havia uma desconfiança de que algo poderia ocorrer nas escolas, no dia 20 de abril.

Uma semana antes, assisti a uma aula da professora na qual ela trabalhou com o tema da cultura da paz. Ela propôs às crianças pensarem em palavras que significassem a paz. As crianças foram ditando e as palavras foram se desenhando no quadro: RESPEITO, HARMONIA, ALEGRIA, PROTEÇÃO, AMIZADE, SILÊNCIO, AMOR, PAZ, AMIZADE.

Vamos plantar essas palavras? Essa era mais do que uma atividade envolvendo a produção escrita. As crianças elegeram palavras que elas gostariam que se fixassem no mural para serem lidas, lembradas e vivenciadas. A professora distribuiu corações em papel branco e hastes verdes. As palavras foram escritas e as flores em formato de coração foram montadas. Assim, no muro externo da escola, um mural foi montado: “Aqui, a gente planta a paz”. Apesar de estarmos vivendo um clima angustiante, a professora cuidou para que as crianças não percebessem que as escolas estavam sob supostas ameaças. As crianças também não comentaram sobre qualquer assunto que remetesse à violência com ou sobre a escola.

A pesquisa de campo que realizo ocorre nas terças e quintas-feiras. O dia 20 de abril seria em uma quinta-feira. Na terça-feira anterior, a professora me avisou, no final do horário, que não iria trabalhar naquela quinta-feira. Pensei bastante sobre o que isso poderia significar para o momento tenso que estávamos vivendo e decidi ir à pesquisa naquele dia, porque a despeito de toda a insegurança que situações como essas nos provocam, haveria de ter alguma forma de romper com aquela onda de temor construída e alimentada nas redes sociais. Não fechar as escolas era uma delas. No entanto, mudei meus hábitos para aquele dia. Costumeiramente, saía com algumas crianças para realizar atividades de leitura e escrita e isso ocorria em um espaço que necessitava alcançar a rua e entrar em outro portão. Nesse dia, planejei ficar com as crianças, na sala, juntamente com a professora, durante todo o horário da pesquisa. Deixei a minha bolsa bem grande com jogos e livros em casa e levei apenas uma agenda e uma bolsa de lápis. Cheguei à escola e percebi que poucas crianças adentravam o portão. Seu Campos, o guardião da portaria, permaneceu atento e por meio de uma pequena janela aberta, conferia um a um quem entrava. Na escadaria, a coordenadora e um pouco mais adiante, algumas auxiliares de apoio à inclusão recebiam as crianças.

Na sala de aula, apenas sete crianças compareceram. Cinco meninas e dois meninos. A auxiliar de inclusão também não compareceu, no entanto, a criança que ela acompanhava lá estava. Quando eu cheguei à escola, vi, do outro lado do corredor, as luzes da sala apagadas. Abri a porta e ouvi risos bem baixinhos, acendi as luzes e vi que as crianças estavam brincando de se esconder. Fizeram barricadas com as mesas e cadeiras, no fundo da sala, para se esconderam. Mas, logo saíram gritando e se divertindo. Depois, percebi que mais uma criança continuava escondida, debaixo de uma cadeira. “Estamos brincando, Patrícia…”, disseram elas. Confesso que fiquei surpresa e me distraí com as crianças em seus movimentos brincantes. Sem questionar o porquê de tão poucas crianças na escola, seguiram o dia, com muitas atividades lúdicas, leituras em jogral e atividades em grupo. Foi um dia proveitoso e bem alegre. Com a ajuda das crianças, dissipamos o medo e olhamos o mundo com mais esperança.

 

Para saber mais
Texto construído no âmbito de uma pesquisa sobre a alfabetização de crianças, no retorno ao ensino presencial, que tem o apoio da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).


Imagem de destaque: Galeria de Imagens.

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