Jovens com deficiências levam seus relatos ao seminário da AMR

Maria G. Lara

No dia 21 de agosto, a Associação Mineira de Reabilitação (AMR) realizou em Belo Horizonte o Seminário Tecendo Práticas Inclusivas na Educação, com o objetivo de fomentar reflexões sobre as articulações entre os ideais de inclusão e a educação dentro e fora da escola. O encontro reuniu representantes da AMR, pesquisadores, pessoas com deficiência e seus familiares.

Entre os especialistas estavam a professora Katiuscia Vargas (UFJF), a fonoaudióloga Janaina Maynard Marques e a professora Maria Luísa Nogueira (UFMG), todas com muitos anos de experiência com relação a pessoas com deficiências físicas, visuais, auditivas e intelectuais, cada uma em sua especialidade. As palestras colaboraram grandemente para esclarecer termos técnicos, oferecer abordagens, apresentar estatísticas e avanços que se tem conseguido nos últimos anos, mas a verdade é que o que trazia sentido a cada bloco de palestras era o relato que se seguia: pessoas com deficiência abrindo para nós, a audiência, suas trajetórias escolares até ali.

As atividades foram iniciadas com uma versão do Hino Nacional Brasileiro tocada pelo músico Dudu do Cavaco, que tem Síndrome de Down. Entre as canções, Leonardo Gontijo, irmão mais velho de Dudu, ressaltou a frequência com que esquecemos de dar a devida atenção a detalhes essenciais ao nos relacionarmos com pessoas com deficiência: Dudu, ele disse, já participou de inúmeros programas de TV e rádio, que sempre ofereciam um “especialista” a acompanhá-lo. O especialista, via de regra, cumprimenta Dudu disparando várias perguntas em sequência, como costumamos fazer com pessoas de desenvolvimento típico.

“Você entende as perguntas, Dudu?”, Leonardo pergunta.

“Não!”

“Como é que você assimila as coisas?”

“Uma. Pergunta. De cada. Vez.”

Dudu ainda tocou Bandeira Branca, dedicada ao médico que disse a seus pais que ele não passaria dos quatro anos de idade. O músico também contou um pouco de sua vida escolar, com professores que apenas o “empurravam” para o ano seguinte e que não acreditavam que uma criança com Síndrome de Down fosse capaz de aprender qualquer coisa. Depois de Leonardo anunciar que, no fim das contas, Dudu aprendeu a utilizar matemática para aprender música – e não parou no primeiro instrumento, aprendeu um segundo, um terceiro, um quarto! –, formou um grupo de samba, abriu shows para a banda mineira Jota Quest em sua carreira solo e hoje está noivo. Para sua noiva, Dudu dedicou a música Como é grande o meu amor por você, de Roberto Carlos.

A performance de Dudu, que convidou a todos a se levantar e cantar, deixou um ar de encantamento sobre a audiência. Foi um belo começo para um longo dia de palestras.

https://www.youtube.com/watch?v=JAedMyf9dBE

As palestras que se seguiram foram sobre o que constitui uma trajetória escolar inclusiva, o papel da equipe de saúde nessa trajetória e a presença do aluno com paralisia cerebral na sala de aula. O relato, que se seguiu foi o de Amanda Alether – publicitária graduada na PUC Minas, atleta da equipe paralímpica mineira de bocha e estudante de Jornalismo. Aos quatro anos, os sintomas da Síndrome de Leigh começaram a se manifestar pela primeira vez na vida de Amanda, gradativamente deteriorando sua capacidade motora e sua fala. Segundo Amanda, isso gerou alguns problemas ao longo de sua vida, como um diretor de escola que dizia ser impossível de ela continuasse estudando ali, porque ele não sabia lidar com “aquele assunto”, mas nada que ela não contornasse. Não era permitido que Amanda participasse das aulas de Educação Física no ensino fundamental, mesmo que ela manifestasse interesse repetidamente, então os professores a colocavam em atividades paralelas, como o xadrez. Nas olimpíadas da escola, Amanda conta, ela só se inscreveu para a modalidade do xadrez – e venceu! A declaração provoca uma salva de palmas da audiência. Amanda olha bem pra todo mundo, ri e então complementa: “… por W.O.” Dessa vez, ela provoca risos.

Amanda era uma aluna excelente e dominava as matérias. Já quis ser médica, professora, mas alguma coisa dizia que havia algo de errado com ela e precisava corrigir isso antes de seguir em frente. Na adolescência, ela descobriu os esportes adaptados e começou a praticar natação e bocha, modalidade que rendeu a ela um destaque feminino no esporte um lugar na equipe paraolímpica mineira. Mas algo continuava errado. Bem, Amanda passou em Relações Públicas na PUC Minas, mudou de curso e se tornou publicitária e hoje está estudando Jornalismo.

https://www.youtube.com/watch?v=KQ1e7uGgfhg

Ao fim de sua apresentação, Amanda declarou que “todo mundo tem uma síndrome que precisa ser tratada” e que essas síndromes são tratáveis das mais variadas formas. A síndrome do antigo diretor de sua antiga escola, por exemplo, era o preconceito e o capacitismo. A síndrome de Amanda era muito mais simples. Um dia ela acordou e finalmente descobriu o que estava errado consigo mesma: ela não era loira, o que resolveu prontamente no salão de beleza. A revelação arrancou risos da audiência outra vez.

No fim das contas, o que ficou do seminário foi aquela mensagem básica, mas que nos escapa tantas vezes: pessoas com deficiências são pessoas, e ponto. Não são coitadinhas que dependem de nossa compaixão, não são heroínas por viver suas vidas cotidianas com suas deficiências. Dudu ser um grande instrumentista e Amanda ser bem sucedida academicamente são coisas surpreendentes tanto quanto seriam se eles não possuíssem nenhuma deficiência física ou intelectual. É claro, há limites e especificidades a se encarar, mas não os temos todos? É preciso empatia para entender esses limites, mas, como o diretor da escola de Amanda e o médico da infância de Dudu ignoravam, é ainda mais importante o reconhecimento das habilidades de cada um. Esse é o primeiro passo pra uma sala de aula inclusiva: reconhecer e admitir todos os potenciais presentes.


Imagem de destaque: Pedro Cabral

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