Yukio Mishima e a procura do belo

Suelio Geraldo

Em uma parte do diálogo entre Sócrates e Diotima, presente em O Banquete, surge a pergunta: “Que terá aquele que ficar com o que é belo?” (PLATÃO, 1980, p. 260). Lançada por Diotima ao filósofo, a indagação feita sucinta até hoje diferentes e contraditórios pensamentos, principalmente em nossa época. Uma era de consumismo exacerbado na qual todos desejam intensamente o belo, o bonito, a beleza, a perfeição. Dessa forma, mais do que nunca é necessário razoarmos sobre essa questão. No entanto, esse trabalho de reflexão não começou hoje, ele iniciou na antiguidade e perdura até os dias atuais em diferentes segmentos, como o filosófico, o psicológico, o estético e o literário. Na área da literatura, um escritor que mergulhou seu pincel nessa tinta turva foi Yukio Mishima, pseudônimo de Kimitake Hiraoka. Em Cores Proibidas (Kinjiki), livro publicado em 1953, o dramaturgo, novelista e romancista japonês aborda a relação complexa do ser humano com o belo, a beleza, o desejável.

No romance, considerado pela crítica como uma das obras menos importantes do escritor dentro da sua vasta e extraordinária produção, é retratada a vida noturna de Tóquio no pós-guerra. As principais personagens da narrativa são Shunsuke, um feio escritor senil, ferino e misógino, e Yuichi, um jovem homossexual apaixonado pela própria imagem. Fazendo-se mentor do rapaz, dono de beleza rara, Shunsuke vinga-se da própria feiura e da série de fracassos amorosos que marcaram sua vida. Dessa forma, passa a cultivar e cultuar o belo ao ponto extremo da perda de si mesmo. Shunsuke encontra, portanto, o belo na morte, no aniquilamento total de uma existência feia, desgastante, indesejável e cheia de sofrimentos. Assim, segundo a sua lógica e como uma possível resposta à pergunta de Diotima, para ficar com o que é belo é preciso morrer, abrir mão da vida. Nas suas próprias palavras, o belo é “Aquilo que existe neste mundo e que não pode ser atingido” pelo homem, o que lhe ocasiona nem “um momento sequer de paz” (MISHIMA, 2002, p. 563) na sua deplorável vida.

Tal pensamento pode parecer em um primeiro momento muito assustador. No entanto, se refletirmos um pouco sobre a alma e a (in)consciência do sujeito comunitário, compreendemos que o ser humano em alguns momentos da sua existência social e individual procura o belo na morte. Como dizia Sócrates, a vida só é boa e bela quando a alma está em harmonia, alcança o equilíbrio com o cosmos (como se sabe o termo grego kósmos (κόσμος) significa ordem, boa ordem e, num sentido derivado, a própria ordem do mundo). Porém, com a evolução (ou seria involução?) humana, a desarmonia e o desequilíbrio instauraram na sociedade e no espírito do homem ao ponto de ele desejar a morte. Em consequência disso a vida tornou-se um fardo/fado que quase nunca leva ao belo, mas ao grotesco, desproporcional, hediondo, disforme…

Portanto, hoje, quando a humanidade não consegue encontrar o equilíbrio com o cosmos e assim enfrenta uma feiura extrema provocada por ela mesma, concordamos mais, ou melhor, eu concordo mais com as reflexões de Shunsuke e por extensão com o pensamento de Mishima (quem também procurou o belo na morte por seppuku, uma forma honrosa de suicídio utilizada pelos samurais no Japão feudal): a única maneira possível do homem atual alcançar o verdadeiro belo é pela morte.

 

Saiba mais
MISHIMA, Yukio. Cores proibidas. Tradução Jefferson José Teixeira. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

PLATÃO. Diálogos: Protágoras, Górgias, O Banquete, Fedrão. Tradução Carlos Albertos Nunes. Belém: Universidade Federal do Pará, 1980, vols. III-IV.


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