Em um ano repleto de dificuldades, algumas experiências educativas para esperançar.

Cleiton Donizete Corrêa Tereza

Conflitos interpessoais, inflação, desvalorização profissional, sobrecarga de trabalho, adoecimentos, problemas ambientais, aflições cotidianas, violência urbana, incertezas, desigualdades, crescimento do fascismo. Os motivos para nos sentirmos desmotivados e até desesperados são muitos! E, a não ser que apelemos para refúgios da ordem da artificialidade (drogas, avatares, consumismo, etc.) ou crendices (religiosidade, superstições, empreendedorismo, horóscopo, etc.), não é nada fácil lidar com as inúmeras dificuldades, especialmente para quem trabalha na educação.

Contudo, há muito tempo entendi que em uma realidade capitalista e autoritária como a brasileira, esperar o devido respeito pela dedicação ao ensino por parte de gestores, políticos e outras autoridades seria uma constante frustração. Em geral, as homenagens, os cargos assegurados, os elogios são para aqueles que concordam, que obedecem, que são momentaneamente convenientes, que se sentem contentes e realizados com tapinhas nas costas. Compreendido isso, passei a me motivar cada vez mais, dia após dia, com o desenvolvimento e o reconhecimento dos sujeitos centrais no processo educativo: os estudantes. E para fechar este ano com alguma leveza e o coração aquecido, compartilho três, entre várias realizações com minhas turmas, que foram significativas. Uma indicação importante: destaco essas atividades não somente pelo interesse e dedicação dos jovens, mas também porque todas elas me desafiaram de alguma forma, por implicarem algum elemento novo, seja em relação à metodologia, à operacionalização ou à temática.

A primeira atividade que destaco, quiz a partir de filmes, de certa maneira, não é novidade para ninguém, e muitos professores realizam com suas turmas. Esses jogos de perguntas e respostas estão sempre presentes em programas de televisão, gincanas ou cursos práticos, mas não havia realizado ainda em minhas aulas de História. E deu muito certo! Primeiramente com turmas de 8º ano do ensino fundamental, a partir de um filme que retrata o processo de independência dos Estados Unidos; depois, com turmas de 9º ano, e um filme biográfico que ilustra o período da Era Vargas. Além de assistirem com atenção aos filmes, os estudantes também tiveram que ler sobre os conteúdos históricos relacionados, especialmente utilizando seus livros didáticos. Os alunos demonstraram entusiasmo e dedicação! Claro que houve também nervosismo, cobranças entre eles e até certa competividade por parte das equipes, mas, ao final, os elementos positivos prevaleceram, com uma atividade divertida e permeada de informações e análises históricas.

A segunda, foi a visitação a um centro de cultura, para uma exposição fotográfica cobrindo especialmente os processos de modernização no Brasil nos anos 1950 e 1960, pela perspectiva de um fotógrafo imigrante. O estabelecimento não costuma ser tão acessado por uma parcela da população, sobretudo por pessoas vindas de comunidades periféricas e trabalhadoras. Contudo, apresentar esse tipo de espaço para os estudantes é necessário para um desenvolvimento ampliado, por meio de uma oportunidade de vivência que pode não se repetir na vida pós escola básica. Apesar de nos precavermos, eu e os profissionais do instituto visitado, quanto ao possível desinteresse e estranhamento dos estudantes diante da exposição, e por isso tomamos alguns cuidados, que envolveram preparação em sala de aula e adequações na condução durante a visitação, o resultado foi excelente! Dias depois, na escola, os estudantes das turmas de 9º ano, divididos em grupos, tiveram que apresentar, com a turma disposta em círculo, suas análises a partir de imagens selecionadas, considerando contextos políticos, conjunturas históricas, produções arquitetônicas, relações sociais e econômicas, fluxos migratórios, subjetividade dos registros imagéticos, entre outros aspectos. As apresentações foram muito boas, algumas primorosas!

No último semestre, bem no finalzinho do ano letivo, desenvolvi um trabalho com os 1os anos do ensino médio, no componente curricular de aprofundamento em Humanidades e Ciências Sociais, que há tempos ensaiava realizar. A proposta consistiu em uma intervenção social que gerasse algum impacto no município discutindo o tema do trabalho escravo e análogo à escravidão na atualidade. Os estudantes deveriam criar suas propostas de ação, justificando, estabelecendo objetivos e apontando a expectativa de impacto social. As realizações, planejadas e executadas em grupo, poderiam se dar pelas redes sociais ou outros meios de comunicação digitais, no contato direto com as pessoas nas ruas ou em outros lugares, por meio de intervenções artísticas/criativas ou de formas híbridas. Surgiram ações muito interessantes como: panfletagem nas ruas centrais e no entorno da escola, construção de perfis em redes sociais e difusão de cards ou notícias de detecção de trabalho escravo no município, grafitagem reflexiva em muro (de forma devidamente autorizada), publicações nas páginas da escola e do Coletivo Negro organizado pelos educandos (e a experiência com esse Coletivo possibilita outro texto), fixação de cartazes com códigos QR que conduziam a conteúdos sobre os assuntos e até uma distribuição de informativos nas sacolas da padaria da família de um aluno, que trabalha no caixa do estabelecimento, ao estilo “compre pão e leve reflexão”. Para comprovar essas realizações os estudantes me enviaram fotos, prints e vídeos que foram socializados em sala, na aula de avaliação e fechamento dos trabalhos. Para o próximo ano pretendo investir nesse tipo de atividade, que se mostrou promissora.

O trabalho educativo, mesmo com os sucessivos ataques com vistas ao esvaziamento, mantém sua potencialidade transformadora. É possível pensar que para uma parcela desses estudantes, atividades pedagógicas como essas, que exigem boa preparação, parcerias, apoio de outros integrantes da equipe da escola e até de fora da instituição, estarão entre aquelas mais lembradas. Dá trabalho sim! Porém, essas aulas/projetos permitem aprendizados de diferentes formas, desenvolvendo competências e habilidades para além das instrumentalizações e burocratizações aventadas pela educação neoliberal (o que também é assunto para aprofundarmos em outro momento). Portanto, não há tempo a perder. Apesar das dificuldades é preciso persistir, tendo como questão mais importante o trabalho educativo, já os diários e outras petulâncias resolvemos depois, quando der, afinal, parece necessário recordar que estudar de verdade, educandos e educadores, é uma bela forma de manter a rebeldia e a esperança em dias melhores.

Para saber mais
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. São Paulo / Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.


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