A festa dos ratos – uma fábula para fechar o ano longe de ratoeiras

Ivane Laurete Perotti

Em “Os Ratos”, de Dyonélio Machado, 1935, Naziazeno desapercebe-se. Funcionário público na Porto Alegre de 30, exige-se pagar o leiteiro. 53 mil-réis. Pagar ou ficar sem o leite. Revela-se hostil à busca por socorro. Infame. Delirante. Angústia murídea.  Ratazanas. Ratos. No romance, os roedores apareceriam no final da trama. Ou não.  Para alguns, Naziazeno vaticinou uma analogia atemporal. Hoje, com alguns aleijões narrativos, certas fábulas contemporâneas nos fazem pensar nos “ratos” dyonelianos.

“…em um território de singular dimensões reinava nociva rataria. Defendo a tautologia, uma vez que, o conjunto de roedores qualificava-se muito além de sua natureza mefítica. Mamíferos de nascimento, desenvolveram gosto por “tetas”. Tretas. Tramas. Tramoias. Amadureceram estultos e desonestos. Não fosse o desvario por falcatruas e a fome de poder, a obtusa linhagem manter-se-ia a pelo baixo. Sebentos. Irrelevantes.

Embojudados por lombrigas e vermes, alimentavam-se de vilanias. Boçais, serviram feito luvas de farinha a um projeto de cúpula anônima. Verdadeiramente, não tão anônima, mas a história é longa e aqui cabe síntese. Acostumados ao estado de parasitagens, ofereciam as desinteligências necessárias para uma grande farsa. Um golpe político.

Foram orientados a preparar o terreno com armadilhas ideológicas. Nada muito apurado, pois os rastros se lhes ficavam aparentes. Em terreno propício, a rataiada logo angariou aliados. Ratos de todas as cores e mesclas. Afoitos. Sedentos pelo ápice das tramoias, ofereceram-se ao interesse de outros gaiatos. Trapaceiros. Gananciosos. Ratos corruptos. Selvagens no mercado das ações. Dos conluios. Mais inteligentes, obviamente. Pançudos de lucros, afaimados por dinheiro, negociaram na surdina uma pauta de adulterações. Cotovelos comendo mesas. Barbas ao molho pardo. Verdadeira quadrilha de ratúnicos. Fascistas de ocupação.

Pinçaram entre os ratos e as ratazanas, um oblongo, bronco e beócio rato velho. Pseudodiretor de sua ninhada, preferia referir-se a ela por “família”. Um clã fiel ao destempero e à corruptibilidade. Coisa feia de se descrever. Contam os registros que, o velho rotundo e grosseiro rato, caracterizava-se pelo excesso de mentiras, conspirações e melodramas. Tentara explodir um paiol com bomba caseira. Caserna. Fora preso. Mas se dizia injustiçado. Quem de perto o observara, desenhava uma figura violenta. Dado a arroubos do verbo que não possuía, “criava climas” com adolescentes, repórteres e outras personalidades femininas. Sério transtorno. Visível complexo de natureza sexual que deixaria Freud aos pés da própria teoria. Grave. Gravíssimo!

Enquanto a cúpula dita invisível manobrava os títeres ratolínicos do mal, os mesmos assoberbavam-se de poderes. Prepotentes, mentirosos e galhofeiros, passaram a mão no que não lhes pertenciam. Distribuíram favores em troca de outros. Ouros. Quebraram a educação. Ridicularizaram a saúde.  Instalaram rachadinhas. Rachaduras profundas na condução do terreno. Levaram os de mesma índole a se manifestarem apoiadores.

Na entressafra da politicagem, uma doença contagiosa assolou o território. O rato-mor, velhusco e genocida, investiu em funerárias. Riu do sofrimento da população. Minimizou o desastre e, ainda, menosprezou a ciência. A Terra voltou à planificação. Foi rato-propaganda contra as vacinas. Cortou verbas da saúde. Eliminou tratamentos contra o câncer. Desfez a farmácia popular. Investiu em imóveis com dinheiro vivo extraído dos cofres públicos. Contas no exterior. Mandou exterminar opositores e, acreditem, chamou-se “enviado”. O messias do povo liberou o uso de armas e pisoteou o Nazareno. Com JESUS como legenda, o ratusco estúpido instaurou a ideologia do “mi-mi-mi”, da homofobia, do preconceito racial e, tristemente, muitas ratazanas o seguiram. Até mesmo algumas pertencentes à rede “bollyhoodiana” e já haviam posado de ativistas. Um caos. O território ameaçava voltar à idade da escuridão. Trevas. Trovas. Falas desprovidas de nexo. Faltavam palavras. Sobravam babas.

Porém, asselvajado, inculto e despótico, o clã ratanal não estudou o roteiro elaborado pela elite quase anônima. Senhores de si e da vilania, investiram na espoliação com unhas e faca. Roubaram. Vilipendiaram. Fraudaram. Falsificaram a realidade.  Entraram para as estatísticas como os maiores criadores de “mentiras”.  Ratos oblongos em pança e manga. De camisa, pois quem ofereceu resistência pagou com a vida.  Crimes dentro e fora das bolhas ratanais chamaram a atenção de outros territórios. O mundo viu e ouviu:  ratos facínoras pregavam altruíces. Arma em punho. Clero na canga.

Os desmandos e a bandidagem duraram um quadriênio. Foi muito. Demais. Milhares pagaram o preço. O território ainda sofre consequências. Contudo, não há mal que sempre vença. Nem história que não tenha fim. Os ratúlios encontram-se em processo de purga. Expurgo. A desratização do território vem acontecendo pelas estratégias legais. E esse é só o começo.”

Para deixar impressa a moral desta fábula, lembramos que: “Para quem nasceu rato, não alimente ratoeiras. A crueldade, quando manifesta em terra de vivos, não cava buraco raso. Antecipa o caixão.”


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