Walter Benjamin (1892-1940)

Alexandre Fernandez Vaz

Há poucos anos, em uma disciplina de pós-graduação sobre aspectos da obra de Walter Benjamin, um aluno disse que tinha a impressão de que o filósofo e crítico a quem nos dedicávamos tinha tanto gosto pela escrita, que dificilmente poderia ter se dedicado a outro ofício. Fazia sentido a observação, afinal, à enorme quantidade de páginas escritas aliou-se, na vida breve e errante deste homem de letras, a variedade de gêneros: ensaio, artigo, crítica, resenha, aforismo, programa de rádio para crianças e para adultos, radionovela, conto, soneto, comentário, tese.

No que se refere à última opção, foram duas, a de doutorado, que além da nota máxima recebeu a summacum laude, em Berna, na Suíça, em 1919; e a de habilitação (Habilitationsschrift), requisito necessário para a candidatura ao cargo de professor universitário. Ao contrário da anterior, esta não chegou a ser apresentada à Universidade de Frankfurt, em 1925, uma vez que seu autor foi aconselhado a não submeter o texto a um escrutínio que lhe denegaria a aprovação. O complexo trabalho, traduzido ao Português em sua melhor versão por João Barrento, intitula-se Origens do drama trágico alemão. Apesar do rechaço institucional, o texto foi lido por estudantes em seminário sob a orientação de Theodor W. Adorno. O grave erro da instituição que leva o nome de Goethe teve consequências terríveis para o candidato.

A falta de uma posição profissional que lhe garantisse o sustento – ou pelo menos, como preferiu Hannah Arendt, que convencesse o pai a não retirar a ajuda financeira que lhe facultava – condenou Benjamin a seguir o caminho errante dos pagamentos por trabalho realizado, depois somado a uma bolsa do Instituto de Pesquisa Social (InstitutfürSozialforschung), instituição que deu origem ao que veio a ser conhecido como Escola de Frankfurt. Nos anos 1930 ela já estava sediada junto à Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos da América, contando com um escritório em Paris. Tanto o Institut, quanto aquele que se tornaria seu bolsista – este, rumo à Paris –, haviam deixado a Alemanha quando as condições de vida para eles e tantos outros ficaram por demais difíceis e perigosas frente à ascensão do Nacional-socialismo. Judeu e posicionado à esquerda, o mais provável é que, seguindo na terra natal, Benjamin encontrasse o mesmo fim de seu irmão Georg, assassinado em um campo de concentração e extermínio.

Se o aluno a quem citei não estava errado, é de se considerar também que tantas páginas redigidas (primeiro com a caligrafia microscópica do seu autor, logo datilografadas e depois corrigidas e então outra vez escritas à máquina) ganharam forma porque havia um corpo a ser mantido vivo e para isso era necessário algum dinheiro. De Paris Benjamin viajou a diversos lugares, sempre voltando para a capital do país governado pelo Front Populaire, mas que logo capitularia à ocupação nazista. Um dos destinos foi Ibiza, ilha que nada tinha a ver com o badalado balneário que tanto atrai turistas mais ou menos endinheirados, em especial, alemães. O lugar era convidativo principalmente porque lá, entre pescadores e camponeses, era possível viver com poucos recursos. A bolsa recebida era insuficiente para sua subsistência, o que testemunha uma carta a Max Horkheimer, diretor do Institut, em que Bejaminlista suas despesas, entre elas, a compra anual de umas poucas mudas de roupa e o aluguel de um quarto em casa de família de emigrados.

Foram ao menos três os lugares que Benjamin não chegou a alcançar, destinos em que estaria a salvo e nos quais a trajetória universitária por certo aconteceria. Um deles foi a Palestina, para onde poderia ter emigrado a partir de um convite de Gerschom Scholem, o grande teórico da mística judaica, a fim de ensinar literatura alemã na jovem Universidade Hebraica, em Jerusalém. Depois de alguma hesitação, a resposta foi que havia ainda batalhas a enfrentar na Europa, que de lá não podia sair. Os estudos do Hebraico e a expectativa de trabalhar próximo ao amigo de juventude ficaram para trás. Outra oferta veio da Universidade de São Paulo, por meio de Erich Auerbach, autor do clássico Mimesis, que sugerira seu nome um cargo também de ensino de literatura alemã. A carta que ele enviou a Benjamin tratando do assunto nunca encontrou seu destinatário.

O terceiro destino possível era Nova York, cidade em que se juntaria a seus amigos, Teddy e Gretel Adorno e poderia realizar, como tantos imigrantes centro-europeus naquele país, uma carreira intelectual e universitária. Em 1940, depois de dificuldades de todo tipo, ele recebeu o visto de entrada para os Estados Unidos no consulado em Marselha, na região da França que ainda não estava sob domínio alemão e colaboracionista. Naquele momento vivia como apátrida, uma vez cassada a cidadania alemã. De lá, juntou-se a um grupo de outros refugiados que rumaria para um ponto da fronteira franco-espanhola, próximo à cidade catalã de Portbou. O objetivo final era Lisboa, de onde poderia embarcar para a América. A história é conhecida: impedidos de cruzar a fronteira, obrigados a pernoitar e regressar no dia seguinte a Paris para obter uma autorização de saída do país que lhe seria impossível, Benjamin decide pôr fim à vida, consumindo morfina em tabletes que levava consigo. Na manhã seguinte o corpo já não respondia. Era 27 de setembro, e depois de amanhã serão oitenta os anos do triste episódio.

Em nome da memória de todos que lutaram contra o fascismo e outras formas de opressão, de refugiados de todas as origens, dos resistentes e não-conformistas, é preciso rememorar: Walter Benjamin.

Ilha de Santa Catarina, setembro de 2020.


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