Theodor W. Adorno é o nome que de forma mais imediata se associa à Teoria Crítica da Sociedade da Escola de Frankfurt. Não é para menos, dada a extensa obra, a originalidade e a qualidade que a constituem, seu alcance em grande parte do mundo e a fecundidade que ainda hoje, passados quase cinquenta anos de sua morte, oferece para a análise do contemporâneo.
Não é diferente entre nós, onde sua recepção começa nos anos 1960, ganha novo patamar nas três décadas seguintes e se acelera nas últimas duas, fruto de um interesse crescente que se potencializa pela elevação do número de especialistas dedicados à Teoria Social alemã, em especial ao legado frankfurtiano e suas diversas derivações. Não são poucos, aliás, os que para si evocam tal tradição, disputando-a ao darem sentidos distintos a ela. De certa forma há, como várias vezes destacou Detlev Claussen, uma invenção da tradição que liga Adorno a um de seus mais famosos assistentes, depois tornado celebridade acadêmica, Jürgen Habermas. No Brasil, alguma concordância sobre tal nexo se consolidou pelo efeito das primeiras interpretações mais amplas sobre a Teoria Crítica, materializadas nos importantes livros de Barbara Freitag (A Teoria Crítica ontem e hoje, 1986) e de Sérgio Paulo Rouanet (As razões do iluminismo, Companhia das Letras, 1987), até que recentemente isso tenha sido colocado com mais ênfase em questão. Sem demérito para Habermas, um os maiores pensadores do século XX, desde o início dos anos 1980 com seu projeto sobre uma Teoria do agir comunicativo, não só a tradição se quebra (um parricídio, segundo alguns), mas com ele a direção teórica nos termos da crítica social em muito se dilui.
Teórico da música, crítico social, polemista, Adorno se tornou uma figura pública na República Federal da Alemanha nos anos que sucederam a Segunda Guerra Mundial. Não foi imediato seu regresso para a terra natal, finda a beligerância que fez principalmente da Europa e do Pacífico campos de morticínio. Vivendo havia muitos anos nos Estados Unidos, país em que a Teoria Crítica atingiu sua configuração mais definitiva, o filósofo pisou em solo alemão somente em 1949. Poucos anos depois fez o caminho de volta para a América, onde permaneceu por dois semestres para que pudesse manter a cidadania estadunidense que adquirira. Quem viveu a condição de apátrida sabe que é bom ficar de olho aberto e tentar garantir um destino em caso de novos apuros. Além disso, Adorno manteve-se muito agradecido, como mais de uma vez destacou, ao país que mais tempo o recebeu nos anos fora da Alemanha.
Nos Estados Unidos Adorno não trabalhou como professor universitário, carreira que iniciara nos anos 1930 em Frankfurt, sem ter chegado, antes do exílio, a Professor Titular. Na América permaneceu como um ilustre desconhecido fora dos círculos intelectuais e literários mais específicos, desfrutando, principalmente depois de mudar-se para Los Angeles, de boas condições para a reflexão e para a escrita. Na Califórnia, para além do trabalho no Instituto de Investigação Social, para lá transladado por Max Horkheimer e seus colaboradores, havia o milieu de Hollywood a frequentar, festas em que podia encontrar Charles Chaplin, de quem era admirador, filmes que assistiria em primeira mão para logo criticar as trilhas sonoras. À beira-mar Adorno também conviveu com Thomas Mann e o auxiliou na pesquisa sobre música para a obra Doutor Fausto. Para o grande escritor laureado com o Nobel de Literatura em 1929, Adorno era como Mefistófeles, o demônio, de tanto que de tudo sabia.
Professor Titular é um posto que Adorno apenas em 1956 atingiu, aos cinquenta e três anos, no lugar de onde partira, a cidade de Frankfurt. Diretor do Instituto, novamente lá sediado, e com o cargo universitário, passou a ser muito requisitado e acelerou-se sua presença como intelectual público, com debates (com Elias Canetti, Ernst Bloch…) e leituras em rádios, participações televisivas, turnês como conferencista, artigos em jornal, polêmicas com Karl Popper e Ralf Dahrendorf, reflexões sobre o pós-guerra e a reconstrução – inclusive da Universidade e da vida intelectual – do país. Some-se a isso a divulgação da obra de Walter Benjamin e muita atividade acadêmica. Em uma carta a Horkheimer, louva que as férias chegarão porque poderá escrever com calma, tarefa impossível com o número de aulas e afazeres administrativos com os quais se ocupava. Sim, grande produção intelectual, mas também o ordinário cotidiano de fazer girar a institucionalidade.
Conta-se que Adorno ministrava aulas fascinantes nos últimos anos de sua vida. Em grandes auditórios abarrotados de estudantes, ele proferia suas Vorlesungen (conferências) sobre os temas que perseguia com obstinação, sobre os quais dedicava sua vida intelectual. Foi assim que um conjunto de cursos amadureceram até formarem sua Opus Magnus Dialética Negativa; foi assim que outros puderam dar vazão à pesquisa do autor sobre a arte e suas vicissitudes, reunida conclusivamente após sua morte, por Gretel Adorno e Rolf Tiedmann, formando o volume Teoria Estética.
O grande dialético morreu em férias da Universidade, repentina e precocemente, em 1969, não sem enfrentar as contradições do movimento estudantil, composto em grande parte por seus alunos e diletos orientandos, Hans-Jürgen Krahl à frente.
A data de 11 de setembro se consagrou na história contemporânea como a do ataque terrorista às Torres Gêmeas, em 2001 e, antes dele, a do Golpe Militar que tirou o cargo e a vida de Salvador Allende, no Chile, diminuindo a esperança em toda a América Latina. Na semana passada, também em um 11.09, Adorno teria completado 115 anos de idade.
Ilha de Santa Catarina/Montevidéu, setembro de 2018.
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