Viva o censo!

Wojciech Andrzej Kulesza

Finalmente, desde o início deste mês de agosto, realiza-se em todo o país o Censo Demográfico de 2022. Contatando milhões de residentes no Brasil que habitam outros tantos milhões de domicílios, esse grandioso levantamento constituirá um precioso subsídio para o dimensionamento das políticas públicas a serem implementadas ano que vem no Brasil. Como novidades importantes, a coleta de dados contempla o mapeamento das comunidades quilombolas e a inclusão da temática autista.

Todavia, apesar de várias iniciativas a favor de se incluir, nos questionários, perguntas a respeito da orientação sexual de brasileiros e brasileiras, o instrumento é totalmente omisso a respeito dessa questão. Trabalho complexo, adiado em 2020 por causa da pandemia e em 2021 pela negativa do governo federal em suprir o IBGE com os recursos financeiros necessários, o censo, dedicado a retratar o país, acabou deixando na sombra um tema que, no momento, é objeto de concorridos debates em nossa sociedade.

Na área específica da educação, apenas uma pergunta no questionário básico (a ser respondido por todos os maiores de 5 anos): “Sabe ler ou escrever?”. Insistentemente, o tema do analfabetismo continua a modular as preocupações dos técnicos do IBGE com nossa educação, apesar dos inúmeros trabalhos e pesquisas que demonstram a imprecisão e a ambiguidade desse termo. E, o mais interessante, é que somente aqueles que responderem “sim” àquela pergunta serão questionados a respeito do seu trabalho!

Já no questionário amostral, a ser respondido por 11% da população, reedita-se um verdadeiro censo escolar, perguntando-se sobre ano, série, nível de ensino, cursos, conclusão e situação atual da escolaridade dos residentes. Todavia, o cruzamento dessas informações com outras questões do questionário, especialmente aquelas envolvendo informações socioeconômicas, poderão fornecer novos dados sobre a correlação existente entre esses dois conjuntos de variáveis, inalcançáveis apenas por meio do censo escolar.

Dois outros itens, indiretamente ligados à educação, estão presentes no questionário amostral, refletindo a problemática causada pelo ensino a distância ou remoto. Um deles, no bloco referente às características do domicílio, pergunta-se se algum morador do domicílio do respondente tem acesso à internet. Outro, procura avaliar a mobilidade escolar perguntando a todos no domicílio, que frequentam escola, se o fazem no próprio município ou fora dele. Ambos os quesitos são significativos e pertinentes ao ensino à distância.

Apesar das dificuldades de todo tipo envolvidas num empreendimento deste tipo, agravado pelo descaso, para dizer o mínimo, do atual governo federal com os trabalhadores do serviço público (no caso, os recenseadores), ao final dos trabalhos teremos um diagnóstico preciso dos desafios que nossa educação virá a enfrentar nos próximos anos. Já não se tratará das questões educacionais pela busca de opiniões de especialistas, ou do que é melhor ou pior: as propostas terão que se conformar aos dados obtidos pelo censo demográfico.

Além do seu importante papel para subsidiar as políticas públicas, os resultados dessa operação estatística poderão ser imediatamente utilizados pelos professores no planejamento de suas aulas. Não só aqueles das matérias diretamente relacionadas com o censo, como a geografia, a economia, ou as ciências sociais, mas todos os professores, de todos os graus de ensino e tipos de escola. Isso porque o exame criterioso dos dados, cotejados com a realidade local, permitirão a formulação de questões úteis ao ensino.

Mais do que respostas a questões que os professores estão ansiosos por saber, o censo demográfico suscitará novas perguntas, que poderão trazer outras perspectivas para suas aulas. Como diria Stuart Firestein, o censo aumentará nossa ignorância, no sentido de que levantará questões inéditas sobre a realidade brasileira, aumentando potencialmente nosso conhecimento sobre ela. Por exemplo, verificando quantos alunos de sua classe residem em outros municípios e comparando com os resultados do censo, o professor se deparará com outro tipo de evasão e não com o tradicional abandono da escola.

Enfim, são inúmeras as interrogações, tanto para a pesquisa, como para o ensino, trazidas pelo censo e passíveis de dinamizar nossas instituições, fazendo assim progredir o nosso conhecimento. Aliás, as questões educacionais contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da estatística e da própria criação do IBGE na década de 1930, bastando aqui citar os notáveis trabalhos estatísticos de Teixeira de Freitas que abriram novas perspectivas ao tratamento do problema da evasão no ensino primário.


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