Universidade derrotada: O ensino como espetáculo

Alexandre Fernandez Vaz

A Universidade Federal de Santa Catarina está começando agora o semestre letivo na graduação, que não é o primeiro de 2021, senão o segundo do ano passado. As incertezas perante a pandemia deixaram tudo em suspenso durante muitos meses, até que se percebeu que o meio remoto era inevitável, que já era tempo demais para seguir sem as aulas. Em dezembro, concluímos o que era para ter encontrado seu fim em julho e em janeiro tivemos recesso, uma vez que é praxe na UFSC jamais ter aulas no mês que no Brasil é, por excelência, o das férias escolares. Se deve ser assim também na Universidade, não me parece óbvio, mas é questão que deixo para outro momento. 

Até o final de maio estaremos nas aulas remotas, o que significa mais um semestre com dificuldades de conexão e contato com estudantes cujas faces serão raramente vistas. Reconheço que a situação tem lá suas vantagens, como a possibilidade de deslocar-se menos, o que não é pouco em país com tantos problemas de mobilidade, além de termos um menor número de aulas síncronas. 

Penso que, em geral, as disciplinas têm horas demais em classe e, os alunos, pouco tempo para estudar. Há algo exageradamente narcísico na insistência de que as matérias por nós lecionadas precisam de mais aulas porque o conteúdo delas seria fundamental e nossa presença professoral a garantia de que o aprendizado acontecerá. Nada mais falso. Essas vantagens, no entanto, nem de perto compensam as dificuldades que o momento traz. Aula é aula e deve ser, sempre que possível, presencial. 

Mas, claro, sigamos e avancemos o que pudermos pelos meios remotos. Melhor isso do que nada, com todos os problemas que o processo traz. As aulas mediadas pela rede mundial de computadores colocam o ensino universitário em um ambiente em que toda sorte de estímulos é promovida, o que inclui desde o uso muito corriqueiro da comunicação entre partes, até formas de dominação muito complexas. Se isso não é propriamente uma novidade – já aconteceu o mesmo com o rádio, com a televisão e também com o cinema – a questão agora tem novas características, pelo menos por dois motivos entre si associados. O primeiro é qualidade técnica superior que os aparatos hoje disponíveis têm, se comparados com seus antecessores, o que permite cores, recursos e velocidades antes inimagináveis; o segundo é o fato de que muitas e muitas pessoas possuem smartphones (os “telefones espertos”), o que nos torna, quase todos, produtores e alvos dos conteúdos veiculados pelas redes, sem intervalo, dia e noite, todos os dias do ano. 

Toda essa força – que muito bem pode ser regressiva – gera o que tem sido considerada uma concorrência para as aulas, que agora partilham imediatamente aquele universo virtual. Trago o exemplo da Academy UFSC, iniciativa ligada ao empreendedorismo e inovação, que recentemente publicou um texto intitulado 6 Dicas fundamentais para Professores na Educação Remota. Nele podemos ler a evocação por um investimento “em criatividade”:

“Na educação remota, os professores têm um desafio e tanto por atenderem alunos que estão cada vez mais conectados. A disputa por atenção é enorme e isso só pode ser combatido com uma boa dose de criatividade.

Por isso, procure meios de desenvolver seu lado criativo. Invista em aprimorar o desenvolvimento de novas ideias, de pensar fora da caixa. Tenha em mente que as atividades precisam ser atraentes o suficiente para que os alunos estejam no ambiente de estudo e permaneçam atentos ao conteúdo e não com vontade de sair para conferir cada nova notificação.”

Respeito a preocupação com as nossas poucas condições para enfrentar um desafio tão difícil, mas não posso deixar de apontar que a proposta se estrutura sobre uma premissa que parece ter-se naturalizado, mas que é de fato inaceitável. Não, as aulas não precisam concorrer com outros estímulos, tampouco ser atrativas, não ao menos no sentido proposto pela Academy UFSC. 

As aulas devem ser experiências em que a objetividade social da transmissão de um saber se coloca, nada mais que isso. Se forem lentas, tanto melhor, é preciso de tempo para pensar e para formular uma boa expressão retórica. Isso vale para o ensino presencial, tanto quanto para o remoto. Se o vício de checar as “notificações” a cada momento está enraizado em cada subjetividade do nosso tempo, então que tratemos de encarar a situação como ela é, ou seja, como sintoma de sofrimento.

Não é justo transformar as aulas em algo que lembre o espetáculo sórdido de um programa de auditório. Já é insuportável que sejam seus animadores a referência de muitos professores de cursos pré-vestibulares, não por acaso tratados pelos consumidores-alunos por apelidos juvenis. Será esse também o nosso modelo? A aventura do conhecimento merece empenho, que não se direciona à pirotecnia tecnológica, mas a si mesmo, ou seja, o cultivo do pensamento deve prevalecer. 

Sem respeito à ciência, às artes, à filosofia, não há Universidade. Sem sua tradição não resta mais nada aos estudantes, tampouco a nós. Considerar a realidade dos jovens não é render-se ao casuísmo, mas, sim, tratá-los como adultos. Chega de infantilização.

Ilha de Santa Catarina, fevereiro de 2021.


Imagem de destaque: Kiril Simeonovski – aplicado Blur na imagem

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