Estamos de volta ao começo. Sem uniforme novo, sem burburinhos e sem a ansiedade do reencontro com os colegas.
Se, no ano passado, a interrupção do ensino presencial significou instabilidade, desgastes e arranjos, iniciamos 2021 com experiência e compreensão do ensino remoto e o pleno domínio dos seus processos. Hoje, a situação não mais nos intimida. Tecnicamente estamos resolvidos, mas isso não é tudo.
Não podemos desconsiderar que, sobre as crianças e jovens, paira o sentimento de frustração. Eles têm razão, afinal, o que fica de fora são experiências relevantes para a infância e adolescência: os amigos, as rodas de conversas, os esportes, a dança, os risos soltos e a correria pelo pátio. Até a fila da cantina foi promovida a uma santa e aguardada aglomeração.
Neste momento, o que nos liga ao universo escolar e nos faz lembrar que esse lugar existe, e que em breve nos reencontraremos, é a tela do computador, recurso de comunicação aquém da grandeza da vida off-line, entretanto, único meio capaz de ligar estudantes e professores.
Infelizmente, em 2020, talvez encantados com o mágico dispositivo “ocultar”, prevaleceram as câmeras fechadas e os áudios desligados. Para sair da sala, basta um clique para, então, virar fumaça e desaparecer. Sem um rosto (face) e sem a voz, não há interlocução. O avatar que consta na tela não tem linguagem e nem expressão. Está lá ou não? Estão ouvindo ou não? Sem a emoção que sutilmente altera a expressão, o professor continua a sua fala com a sensação de estar sozinho no palco de luzes apagadas. A aula precisa se aproximar de um espetáculo contemporâneo onde não temos apenas espectadores e sim interlocutores.
Perguntados, no final do ano, sobre um momento de alegria que viveram, professores contam várias histórias, e em todas elas os estudantes estavam com as câmeras abertas. Fiquei pensando em como algo tão simples pode repercutir tanto. Entendi que nessa ação há um recado: você é merecedor da minha presença da forma mais real possível. Permitir que o outro o veja é uma forma de nos ligarmos à vida e isso aquece o nosso coração. Se penteio os meus cabelos e tiro o pijama, indico que você é importante e que há uma cerimônia envolvida nesse encontro.
No final do livro A Peste, de Albert Camus, o doutor Bernard Rieux, enquanto andava pela cidade que agora abria as portas, descreve os encontros daqueles que ficaram separados e diz: “sabiam agora que, se há qualquer coisa que se pode desejar sempre e obter algumas vezes, essa qualquer coisa é a ternura humana”.
O pedido dos professores: “abram as câmeras” pode ser traduzido como um desejo de ternura humana. Lembrem-se todos, crianças, jovens ou adultos, enquanto essa situação perdurar, de que a expressão do seu rosto é o que mais importa, muito mais, mesmo que seja com o cabelo despenteado e de pijama.
Imagem de destaque: Lynn Kurtz / Pixabay