Niterói, 19 de março de 2021.
Querida amiga Françoise, ontem eu terminei seu livro. Assim como você se sentia próxima de Carolina, mesmo sem nunca tê-la conhecido, eu também me senti conectada a você.
Fiquei triste por saber que você viveu uma vida consumida pelo trabalho nas casas de famílias ricas francesas. E que você viveu pouco. Morreu aos 56 anos. E que só depois da sua morte, seu livro Cartas a uma negra foi publicado.
Muitas das famílias que exploravam o seu trabalho e a sua vida sequer sabiam o seu nome. Para elas, você era apenas um corpo útil. Elas simplesmente comiam a sua comida, deitavam-se na cama que você preparava, mas elas não sabiam a sua história.
Você entrava nas casas dessas famílias, mas elas eram tão distantes de você. Indiferentes. Elas pouco se interessaram por saber sobre o quão interessante e especial você era. Que você nasceu num lugar bonito, uma ilha, chamada Martinica. Preciso te confessar Françoise, eu tenho uma queda por ilhas. Um fascínio. Por que você migrou de lá? Por que você achou que a França era um lugar melhor para se viver?
Aquelas pessoas, indiferentes, que se apropriaram das suas mãos, pouco se importavam que você tenha viajado para lugares como Costa do Marfim, Senegal e Madagascar. Ignorantes, elas não sabiam que vocês as observavam e que todas as práticas abusivas que elas praticavam se transformavam em escrita, em literatura. A escrita foi seu jardim secreto, não foi? Você tinha uma consciência racial e de classe. Você sabia que “quando uma francesa, seja qual for sua posição social, chega às Antilhas ou a outro país do Terceiro Mundo, ela era predestinada a uma vida melhor”. Mas e nós? Mulheres afrolatinoamericanas? O sol nasce para nós quando migramos? Somos valorizadas e respeitadas? Somos ouvidas? Somos vistas?
Pois é, Françoise, com você eu aprendi um pouco mais sobre diáspora negra, sobre a exploração de pessoas imigrantes, sobre a autoria de mulheres negras caribenhas, sobre resistência.
Com você, Françoise, aprendi que “as misérias dos pobres do mundo inteiro se parecem como irmãs”. Aprendi que a escrita é também, para mulheres como nós, prática de liberdade. Apenas lamento ter demorado tanto tempo para conhecê-la. A escrita nos uniu.
Para saber mais:
EGA, Françoise. Cartas a uma negra. São Paulo: Todavia, 2021.