Um visconde baiano e sua narrativa dos sucessos políticos do Império

Lélio Rodrigo Magalhães Senna*

Narrativas ufanistas estão muito presentes quando o assunto é o processo de independência do Brasil, geralmente centradas na figura do Imperador. A exemplo disto destaca-se a figura de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, que além de ostentar o título de nobreza, também foi escritor, economista e político. Entre outras coisas, Cairu foi um dos pioneiros na produção de estudos historiográficos brasileiros, dentre os quais destacam-se Memória da Vida Pública do Lord Wellington (1815), Memória dos Principais Benefícios Políticos do governo de El-Rey nosso Senhor D. João VI (1818) e História dos Principais Sucessos Políticos do Império do Brasil – este por ele dedicado ao “Senhor D. Pedro I”, produzida entre 1825 e 1830. Cada uma destas obras representa um momento distinto do processo de formação do Estado-Nacional brasileiro e do discurso historiográfico de Cairu.

Cabe, de fato, a Cairu, o mérito de produzir a primeira tentativa nacional de compilar uma História Geral do Brasil, com a obra Introdução da História dos Principais Sucessos Políticos do Império do Brasil,  antes mesmo da criação do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) em 1838.

Este projeto, patrocinado pela Coroa, com o objetivo de escrever a “História Verdade” do país, segundo o conceito vigente à época, é baseado em documentos oficiais de governo, bibliografias estrangeiras e memórias pessoais do autor que era participante ativo do cenário político da época. No projeto inicial previa-se a publicação de 10 volumes, a saber: I.Achada do Brasil; II.Divisão do Brasil; III.Conquista do Brasil; IV.Restauração do Brasil; V.Invasões do Brasil; VI.Minas do Brasil; VII.Vice-Reinado do Brasil; VIII.Corte do Brasil; IX.Estados do Brasil e X.Constituição do Brasil. Destes, todavia, publicaram-se apenas o primeiro e o último volume, em virtude de problemas de ordem política. E, por este motivo, sofreu diversas intervenções por parte dos deputados na Assembleia legislativa através de discussões que envolviam temas como a sua forma de escrita, custeio do projeto, envio de documentos oficiais para Capital e até a capacidade salutar do seu autor.

Em 1825, Dom Pedro I, através de um pedido oficial, elevou o projeto de Cairu à categoria de “História Oficial do Brasil”, em meio a um contexto sócio-político turbulento, diante do fechamento da Assembleia Constituinte da capital e da luta pelo reconhecimento da emancipação do Brasil junto a Portugal. Ou seja, sua obra atingiu um patamar de dispositivo oficial de constituição de uma história e memória nacional comprometidas com o poder político presente e com isso passou a ser uma das ferramentas utilizadas para auxiliar o processo de afirmação da independência.

Assim, não parece ser apenas o projeto de um livro, mas um projeto de nação por meio das palavras e de determinada história. A importância da obra é, portanto, inegável. Trata-se de um dos primeiros esboços de uma História Geral do Brasil escrita por um brasileiro. 

Cairu foi um homem letrado, participante ativo da Corte e da administração pública da época e, talvez por isso, teve a obra encomendada pelo próprio Imperador. A sua produção também marca o contexto de mudanças na produção historiográfica do período que se apoiava em documentação, elegendo figuras, datas, acontecimentos e “símbolos”, indícios de uma produção calcada na tentativa de se escrever a “História Verdade”, conceito que na historiografia atual já foi suplantado, afinal sabe-se que toda história é narrativa, interpretação e que os documentos também podem ser lidos por diversas perspectivas, eles não são retratos de uma realidade, senão indícios, vestígios, representações.

Cairu e sua obra permitem que se reflita a respeito dos modos de se fazer história e do seu uso como ferramenta de legitimação do poder, em seu caso, na relação estabelecida com o primeiro reinado do Império Brasileiro (1822-1831). A vinculação política da obra de Cairu dá-se a exemplo de um sem número de outras iniciativas da Coroa, nos anos de 1820, em prol do desenvolvimento da população, o que nos ajuda a compreender esse emaranhado tenso e complexo do processo de emancipação. 

Dada a relação de Cairu com o Estado Imperial e com a Igreja Católica, religião oficial do governo até 1989, não é surpresa constatar que havia nas suas narrativas a afirmação de uma determinada moral e civilidade de cunho religioso católico, monárquico que também podem ser verificadas em outras obras de sua autoria sobre o assunto da educação moral. O letrado baiano desempenhou a tarefa que lhe fora atribuída, isto é, escrever uma história nacional, regido pelos protocolos e debates que conformavam o conhecimento histórico à época e também os princípios mais caros à sociedade Oitocentista. 

Sua escrita da história pode dar indícios desses projetos altamente complexos construídos na tentativa de forma(ta)r o povo e plasmar a nação a partir da independência. Importante é entender as intencionalidades de tais discursos e iniciativas daquele tempo e deste.

*Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel e Licenciatura em História pela UFRJ, em 2006.E-mail: leliorodrigomagalhaessenna@gmail.com


Fontes da Arte elaborada pelo autor:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_da_Silva_Lisboa. Acesso em 30 de julho de 2020.

https://www.amazon.com.br/Wellington-Principe-Waterloo-Victoria-Exercitos/dp/1396274855. Acesso em 30 de julho de 2020.

https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4232. Acesso em 30 de julho de 2020.

https://www.alamy.com/397-maria-graham-rio-de-janeiro-1825-image213947873.html. Acesso em 30 de julho de 2020.

https://br.pinterest.com/fariassb/pena-caneta/. Acesso em 30 de julho de 2020.

https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/182900. Acesso em 30 de julho de 2020.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *