Presenças de D. Pedro II na província da Paraíba.
Fabrício de Sousa Morais¹
Nayana Rodrigues Cordeiro Mariano²
É no século XIX que a nação brasileira começa a ser inventada, um processo complexo e cheio de detalhes. Parte dessa invenção se realiza na ideia de estabelecer uma conexão entre o poder imperial e o poder provincial, seja com a distribuição de cargos, verbas ou com gestos mais simbólicos. É sobre esse último ponto que trataremos a seguir, dando ênfase nos usos da imagem de D. Pedro II na Província da Paraíba.
Começamos com os festejos da entronização de D. Pedro II e o destaque dado pelo historiador Irineu Ferreira Pinto, um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (1905), em sua obra Datas e notas para a história da Paraíba, publicada originalmente em dois volumes (1908 e 1916, próximos ao centenário da Independência). Na obra são transcritos documentos que mostram as festas na Cidade da Parahyba, com início no dia 12 de agosto de 1840. A ideia transmitida é a de que a cidade se tornou mais alegre, com o aumento da iluminação e com as apresentações teatrais. Os festejos foram concluídos no dia 16 daquele mesmo mês, com um baile no Palácio do Governo e a queima de fogos de artifício.
Pouco tempo depois, em maio do ano seguinte, foram realizadas mais comemorações. Dessa vez, o motivo foi a coroação do jovem imperador. Vale comentar que devido à dificuldade de estabelecer uma comunicação mais constante com a capital do Império não se soube da mudança do evento para o dia 18 de julho. Por isso a Paraíba comemorou no mês de maio, como estava previsto inicialmente. O então presidente da Província, Pedro Rodrigues Fernandes Chaves, em documento também transcrito por Irineu Pinto, descrevia o evento com detalhes: a chuva, no primeiro dia; os eventos religiosos, no segundo; o baile, os balões, os fogos e a veneração ao retrato do imperador, no último.
Os retratos do imperador foram um dos principais artifícios para representar o poder imperial em lugares onde o chefe da nação não poderia ir. Parece que a ideia era fazer com que essas imagens se tornassem presentes no cotidiano da população, a exemplo da prescrição para as escolas do uso do retrato de S.M. Imperial, como consta no Regulamento Geral da Instrução Primária, de 1849. Desse modo, destacam-se os pedidos, feitos pelos presidentes da Província, para que se remetessem à capital quadros com a figura do imperador. Uma das primeiras menções encontradas dessa prática é datada de 25 de outubro de 1829 e, segundo Irineu Pinto, ainda durante o Primeiro Reinado, chega à cidade um retrato do imperador, que foi conduzido para a Alfandega do Palácio, com grande pompa, e colocado em lugar de destaque para ser cortejado nos dias de festa.
É só no ano de 1859, mais precisamente no dia 24 de dezembro, que temos a superação dessa saga pictórica, pelo menos de forma temporária, visto que nesse ano temos a visita de D. Pedro II, que tinha acabado de completar 34 anos, à Província da Paraíba. Ele mesmo! Em carne e osso! A presença física do imperador na Paraíba foi narrada com grande entusiasmo por Maurílio Augusto de Almeida, outro membro do IHGP, no livro intitulado Presença de D. Pedro II na Paraíba (1982).
A narrativa é construída com o interesse de exaltar o sucesso da recepção, deixando claro como a pequena Província se superou. Uma das referências é no momento do desembarque do imperador em Mamanguape, cidade do litoral norte da Paraíba, que construiu um pavilhão de madeira maior e mais bonito que o de Pernambuco. O livro de Almeida foi escrito no século XX, mas reproduz o projeto de nação elaborado ao longo da segunda metade dos anos Oitocentos. Isso é perceptível na exaltação da realeza e daqueles que trabalharam para tornar aquele evento em algo que marcasse a memória da população, tendo em vista que algo memorável busca estabelecer o sentido de continuidade, necessária para a construção da coesão social naquele contexto.
Anos depois, em 1864, o jornal O Publicador, na seção A Pedido, reproduz uma matéria de O Mamanguapense sobre Benjamim, um talentoso desenhista de apenas 11 anos de idade, que fora descoberto pelo médico Polycarpo José de Souza. Impressionado com as imagens elaboradas pelo menino, o médico o convida para desenhar o imperador do Brasil e, para tal, foram trazidos “os melhores retratos originais que tem aparecido […], os melhores que se tem litografado até agora” para servir de modelo. Em poucos dias, o retrato finalizado foi apresentado aos deputados na Assembleia Provincial da Paraíba, pelo médico Antonio da Cruz Cordeiro. Os deputados acolheram a obra e, em reconhecimento ao seu talento, concederam pensão para a realização de estudos sobre “desenho e pintura de figuras históricas”, como pensionista interno na Academia Imperial de Belas Artes ou no Colégio Pedro II. Polycarpo José de Souza ressalta, na matéria do jornal, o patriotismo dos deputados em favor do “progresso e engrandecimento do famoso Império da Santa Cruz”.
O retrato, provavelmente, auxiliaria nos atos comemorativos, com o intuito de fazer lembrar, trazer à memória versões que foram sendo elaboradas sobre a imagem da nação e precisavam ser compartilhadas coletivamente para ganhar sentido. A partir de esforços múltiplos que passam pela conexão entre diversas esferas de poder, tal imagem estava sendo construída na Paraíba. Desse modo, podemos afirmar que o projeto capitaneado pelo Rio de Janeiro obteve sucesso, basta lembrarmos que, com poucas exceções, entendemos que o território continental do nosso país é formado por uma identidade nacional e não por identidades locais como aquelas que existiram durante boa parte do século XIX.
¹Doutor em História (UFPE) e professor do IFPB (Campus – João Pessoa). Membro do Grupo de Pesquisa: Sociedade e Cultura no Nordeste Oitocentista (GPSCNO/UFPB). Coordenador do Grupo de Pesquisa: A História nos Quadrinhos (GPHQ/IFPB).
²Professora do Departamento de Fundamentação da Educação e do Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA) da Universidade Federal da Paraíba. Membro dos Grupos de Pesquisa: História da Educação no Nordeste Oitocentista (GHENO/UFPB) e Sociedade e Cultura no Nordeste Oitocentista (GPSCNO/UFPB).
Imagem de destaque: Dom Pedro II por Johann Moritz Rugendas