Terminando a obrigatoriedade está bom, pois, “quem faz faculdade é rico”

Janaina da Aparecida Lemes Ferreira

Sou Janaina da Aparecida Lemes Ferreira e, quando tinha cinco anos, morava com meus avós e minha mãe em um sítio localizado no interior de Guarapuava, estado do Paraná. Lembro-me de um dia em que minha avó perguntou para minha mãe se ela já tinha me ensinado os números e letras, e minha mãe respondeu: não tive tempo. Minha mãe trabalhava muito, então minha avó disse que me ensinaria. Minha avó Olivina, mesmo sem ter concluído a quarta série do ensino fundamental, foi quem me ensinou as primeiras letras e números.

Então completei seis anos e, por obrigatoriedade, tinha que ir à escola, porém morava em um sítio a dez quilômetros da escola. Minha mãe decidiu deixar o sítio e ir morar no pequeno vilarejo e entrei direto na primeira série da Escola Municipal Francisco Lacerda Werneck. Não esqueço o nome da primeira professora: ela era linda, doce e seu nome era Ivonete. Foi nesta escola que continuei a ser alfabetizada, a partir da pequena bagagem que minha avó me deixou. Mesmo morando no vilarejo, a primeira escola era longe e minha mãe tinha necessidade de trabalhar, pois ela cuidava sozinha de mim. Eu ia sozinha para a escola, que era grande pintada de azul e ficava ao lado da igreja. Aprendi as letras, números, a recortar, colar e brincar. Iniciei a segunda série sabendo ler e escrever, mas tive que mudar para outra instituição, a escola Municipal Princesa Isabel, que era próxima de casa, onde fiquei até a quarta série. Fiz muitos amigos pelos quais até hoje tenho muito carinho. Concluí minha primeira etapa e fui para o ensino fundamental II.

Comecei a estudar no Colégio Estadual Dom Pedro I, no turno vespertino. Foi um pouco difícil me acostumar, pois tinha cinco disciplinas que eram ministradas por professores diferentes. Nessa escola passei por momentos difíceis: tivemos que voltar a morar com meus avós no sítio por necessidade financeira e para usar o transporte escolar tinha que estudar de manhã. Então troquei os horários. Eu acordava às 5h da manhã, pois, às 6h30 o transporte escolar passava e precisava andar uns dois quilômetros até conseguir pegar o transporte. Minha mãe me levava, pois era um caminho ermo e às 6h era tudo muito escuro. Tive dificuldade de aprendizagem e reprovei por três anos na quinta série, pois sofro de dislexia. Fui diagnosticada muito tarde, pois, no início dos anos 2000 não se falava muito em dificuldade de aprendizagem. Fiquei estigmatizada como má aluna, cabeça dura e, assim, me perdi no caminho e comecei a ficar hiperativa. Estudar me afetava psicologicamente.

Novamente me mudei para a cidade de Guarapuava e fui morar com minha tia para estudar na Escola Estadual Manoel Ribas. Minha mãe não me incentivou a estudar; para ela, terminando a obrigatoriedade estava bom, pois, “quem faz faculdade é rico”. Os anos se passaram, eu não prestei vestibular e não dei continuidade nos estudos. Me casei e, meu esposo e eu, viemos morar em Balneário Camboriú, estado de Santa Catarina. Eu trabalhava como secretária de uma clínica, quando o Felipe, meu filho, nasceu. Senti a necessidade de voltar a estudar para ser um exemplo e nesse tempo fui trabalhar em uma imobiliária como secretária, mas, logo fui incentivada a fazer um curso Técnico em Transações Imobiliárias. Fiz o curso, e passei a trabalhar como secretária para corretora de imóveis de aluguel de temporada. Este foi um momento bacana na minha vida, porém, decidi deixar aquele emprego e ser garçonete, por conta dos horários de trabalho. Eu não tinha rede de apoio e meu filho ficava quase dez horas no Centro de Educação Infantil (CEI). Não queria deixá-lo tanto tempo no CEI, pois queria aproveitar sua infância, e como trabalhava de garçonete à noite, de dia ficava com ele e a noite meu esposo era seu cuidador.

Nesta rotina me inscrevi em um edital da Universidade Aberta do Brasil (UAB) que era dirigida pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), para o curso de Licenciatura em Letras/Inglês; eram aulas de ensino a distância (EAD) com encontros semanais e meu polo era em Blumenau. Para estudar pegava folgas às quartas-feiras e assim foi durante dois anos, porém, a turma fechou. Eu fiquei arrasada; me transferi para a Universidade do Vale do Itajaí, a Univali, para o curso de Licenciatura em português e suas respectivas literaturas, porém, por ter que pagar os estudos, fazia poucas disciplinas; trabalhava no período noturno e chegou um momento em que não tive mais condições de pagar as mensalidades. Tranquei o curso e fiquei um tempo sem estudar. Então resolvi fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), e consegui uma bolsa para concluir a Licenciatura em Letras português/inglês. Quando estava no sexto período saí do trabalho noturno e consegui uma vaga para ser professora de inglês em uma escola de Itajaí e lá começou minha vida como docente. Após um tempo, senti a necessidade de ter mais respaldo referente à educação e desejei cursar Licenciatura em Pedagogia. Acessei o curso em uma instituição privada e não me identifiquei. Ouvia falar muito bem do Instituto Federal Catarinense, o IFC, fui pesquisar sobre curso de Licenciatura em Pedagogia, analisei a grade curricular os programas de pesquisa e vi que ali era um curso que me traria o respaldo que buscava para minha jornada na educação. Me inscrevi como professora de escola pública, porém, fui selecionada pela nota do Enem e me classifiquei em terceiro lugar. Me senti muito feliz com esta colocação em uma instituição federal. Isto provou a mim mesma sobre minha capacidade e que, mesmo tendo dislexia, tudo o que eu desejar eu vou conseguir.

A escola transformou a minha vida, foram pequenas sementes que foram plantadas, e hoje eu colho cada fruto. Ela mudou minha rotina, finanças, pensamentos e sonhos. Hoje sou melhor por tudo que passei na escola, os momentos bons e ruins, ela só me fez crescer. Todo o esforço foi importante, sigo estudando e cada vez mais tenho vontade de aprender.

Sobre a autora
Estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto Federal Catarinense – Campus Camboriú. Uma versão preliminar deste texto foi escrita como atividade avaliativa da disciplina História da Educação, do citado curso, ministrada pela Profa. Dra. Marilândes Mól Ribeiro de Melo. Sobre a nova série de textos de estudantes do Instituto Federal Catarinense na coluna Entrememórias, acesse aqui.


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