Um olhar desromantizado do movimento estudantil no período ditatorial

Ruan Debian

Poucos dias se faziam da chegada do outono de 1964 quando uma juventude reacionária banhara a pena da história num tinteiro composto pelo ódio e, através de suas lastimáveis ações, contribuiu para escrita de mais um nefasto capítulo de intensa violação dos Direitos Humanos da nossa recente história. Período “avermelhado”, não pela ameaça comunista, como esperneavam alguns, não!, mas, sim, pelo vermelho sangue. Sangue que jorrara das inumeráveis vítimas que tiveram suas vozes sufocadas nos porões do DOI-CODI. Referimos à juventude que lutou, não contra, mas a favor da Ditadura Militar.

Não muito explorada pela literatura que estuda o regime ditatorial, essa juventude se organizara enquanto movimento estudantil de extrema-direita e era apontada pela imprensa da época como “Estudantes Democráticos” (BRAGHINI e CAMESKI, 2015). Discentes autoritários maquiados como defensores da democracia compunham organizações estudantis como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que afirmavam ter a missão de combater os comunistas, aqueles alunos e alunas subversivos, que estavam infiltrados no meio estudantil.

A existência do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) explicitamente demonstrou a contradição dos movimentos estudantis no período ditatorial, isto é, nem toda organização era de esquerda ou a favor de uma revolução que levasse o Brasil para uma nova organização social, no caso a socialista. Voltar nossos olhares investigativos para esses jovens nos leva ao processo de desromantização da juventude que, não raras vezes, são considerados erroneamente sinônimos de renovações. Pois bem, não o são! Muito pelo contrário, podem ser morbidamente reacionárias.

Tais ações mórbidas foram definidas por LOPES (2014); GASPARI (2020) enquanto terroristas. O terrorismo político adentra na década de 1960 no cenário político através da direita, como no caso das ações da Facção Anticomunista (FAC) que alvejaram a tiros um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1962. Cabe sempre ressaltar que o CCC não era o único grupo de extrema-direita formado por uma juventude anticomunista, assim o foi com o Grupo de Ação Patriótica (GAP) que estavam envolvidos em contrabando de armas e, o que tudo indica, mantinham relações com o Movimento Anticomunista (MAC) (GASPARI, 2000).

Levado pelos ventos que sopravam a favor do golpe, o CCC foi se sentindo cada vez mais à vontade para cometer seus crimes, sabendo que não teriam represálias e tão pouco seriam punidos. É o que observamos quando, por exemplo, de sua primeira destacada aparição, na qual impediu, inclusive por meio de agressões físicas, a fala de João Pinheiro Neto, responsável no governo de Goulart pela reforma agrária, na USP, em 1963. A ação acabou por gerar um confronto que “terminou em pancadaria generalizada e destruição.” (MOTTA, 2020).

Tantas e tantas outras atitudes que feriram pessoas, seja na dimensão psicológica, seja na dimensão física, poderiam ser relatadas neste escrito. Para se ter uma ideia, o CCC foi mencionado em 475 reportagens e em 45 revistas entre 1963 à 1980 com ações que gravitavam entre agressões de alunos e professores até sequestro e assassinato. Cabe ressaltar que a partir de 1968 a sigla passou a ser usada por outros grupos paramilitares que não estavam vinculados com o CCC de caráter estudantil. Contudo, a organização nunca deixou de atuar nos redutos da universidade.

Por fim, gostaríamos somente de chamar atenção de que grupos que semearam ódio e transgrediram os Direitos Humanos no passado não estão na lata de lixo da história. Eles se encontram no aqui, no agora, no tempo presente, com novas roupagens, novas siglas. Devemos atentar-nos, para que organizações estudantis de extrema-direita mais uma vez não se apropriem da pena da história para contribuírem com a redação de outro capítulo…

Sobre o autor
Educador popular, graduando em pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), militante do coletivo Juntos e membro do CDDH de Betim.

Para saber mais
BRAGHINI, Katya Zuquim Braghini & CAMESKI, Andrezza Silva. “Estudantes democráticos”: a atuação do movimento estudantil de “direita” nos anos 1960. Educ. Soc., Campinas, v. 36, nº. 133, p. 945-962, out.-dez., 2015.

LOPES, Gustavo Esteves. Ensaios de terrorismo: história oral da atuação do Comando de Caça aos Comunistas. Salvador: Editora Pontocom, 2014.

GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em Guarda Contra o Perigo Vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). Niterói: Eduff, 2020.

LIMA, Danielle Barreto. COMANDO DE CAÇA AOS COMUNISTAS (CCC): dos estudantes aos terroristas. Edições 70, 2021.


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