Sexualidade na adolescência: da negação à educação para autonomia

Fernando Martins de Azevedo

Independentemente de qual lugar do Brasil você mora, já deve ter ouvido, diversas vezes, adolescentes conversando com seus pais, professores, avós, amigos e colegas sobre qual escolha fazer para o ENEM ou vestibular. Alguns pais guardam para si o desejo de verem seus filhos fazendo escolhas mais de formação “tradicionais” como Medicina, Direito, Engenharia. Outros deixam os filhos mais livres para escolher. Para alguns, a realidade de ingressar em qualquer curso universitário por si só já é uma conquista a ser celebrada. Toda essa discussão não é exatamente considerada polêmica. A maioria das pessoas entende a adolescência como o momento adequado da vida para busca da identidade profissional. Por que, então, a construção da identidade e da vida sexual não é entendida da mesma forma?

Diversos autores na área da Psicologia nos dizem que a adolescência é um período de busca por identificações. Quem sou eu? Quais os meus valores? O que eu quero ser? Porém, não é só isso que acontece. A identidade sexual também se materializa mais nessa fase. Nessa etapa do desenvolvimento é que começamos a entender melhor o que nos atrai e muitas vezes também iniciamos nossas primeiras experiências de relacionamento com outras pessoas, incluindo (ou não) relações sexuais – tema altamente debatido e atacado no período em que vivemos. Particularmente as escolas têm enfrentado dificuldades para trabalhar sexualidade em seus currículos.

A formação da identidade sexual é construída nos espaços de socialização. Cultura, família, religião, renda, desempenho escolar, grupo de amigos. Tudo isso acaba por influenciar esse processo de busca pela sexualidade. O fato é que, porém, os adolescentes brasileiros iniciam sua vida sexual cedo. Segundo dados do Ministério da Saúde, as meninas iniciam a sua vida sexual entre os 12 e os 16 anos de idade. Os meninos, dos 15 aos 17.

Considerando essas faixas de idade, é possível perceber que, em muitas situações, a vida sexual acaba por iniciar sem as informações necessárias e sem condições emocionais para lidar com algumas questões com segurança e autonomia. Sobre isso, um estudo sul-africano investigou a relação entre ter a primeira relação sexual antes dos 15 anos e fatores de risco sexuais em meninos. Os resultados indicaram que iniciar a vida sexual antes dos 15 aumentava a chance de não usar preservativo. Ademais, 20% dos meninos sul-africanos que iniciaram sua vida sexual nessa idade concordaram com a afirmação “eu queria fazer sexo, mas não estava pronto”. No caso das meninas, elas podem estar em situação ainda mais vulnerabilizada – por pressões e impactos das expectativas de gênero e autonomia. Conforme estudos, muitas vezes elas iniciam a vida sexual com parceiros mais velhos, o que pode dificultar a capacidade de negociação sobre uso de preservativo e/ou contraceptivos.

Dada essa realidade, a minha pesquisa de Doutorado, vinculada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) buscou mapear quais eram as melhores formas de abordar a questão da sexualidade na adolescência em contextos escolares. Conto agora para vocês um pouco sobre o que encontramos, analisando pesquisas de diferentes locais do mundo.

O modelo mais tradicional para trabalhar sexualidade nas escolas é conhecido nos Estados Unidos como “abstinence plus”. Traduzido para a língua portuguesa seria algo como “abstinência a mais”. Esse modelo ensina aos adolescentes a ideia de abstinência sexual (não fazer sexo e buscar aguardar estar em uma relação estável para fazer isso, preferencialmente no casamento) e também o uso de técnicas de prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e de gravidez indesejada.  Este modelo é altamente difundido em muitos países, principalmente nos Estados Unidos e se mostra muito pouco eficaz a médio prazo, pois não respeita o desejo e nem fortalece a autonomia.

Outros modelos são mais eficazes. Na minha pesquisa, os modelos que foram mais eficazes em gerar mudanças comportamentais nos adolescentes (por exemplo: passar a carregar um preservativo na mochila) foram aqueles que iam além do abstinence plus. Essas intervenções abordaram questões como: direitos sexuais e reprodutivos, direitos humanos, equidade nas relações de gênero, direito ao acesso à saúde e direito à não-discriminação e, especialmente autonomia e poder de decisão.

Basicamente, não basta dizer que é necessário usar camisinha. Também se faz importante falar sobre o direito ao acesso à saúde, se por acaso alguém não usar. Falar sobre o fato de que ninguém pode praticar discriminação contra você, em um serviço de saúde. Falar sobre aborto em caso de estupro. Falar sobre desigualdade entre homens e mulheres e como isso pode ter um impacto na negociação de um uso de preservativo.

Tudo isso tende a funcionar melhor, especialmente se associado a técnicas de ensino “não-tradicionais”, voltadas para engajar os adolescentes: encenações, teatros, discussão em grupo, debates, jogos, etc. Também é necessário envolver a família no processo, estimulando que pais e filhos conversem sobre o assunto. Em suma, o que encontramos foi que é necessário muito mais do que a tradicional aula de biologia sobre Reprodução Humana para educar sexualmente os adolescentes, sendo necessário ampliar o escopo de conteúdos trabalhados e de técnicas utilizadas.

 

Sobre o autor
Doutorando em Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


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