Educar em Direitos Humanos

Flávio Alves Barbosa

A proposta deste texto é dar continuidade à reflexão sobre a educação em direitos humanos iniciada no artigo publicado por mim na edição do Pensar a educação em pauta no dia 07 de outubro deste ano.

Em primeiro lugar, destaco que no trabalho da educação em direitos humanos o mais importante não é a preocupação em institucionalizar metodologias, mas colocar em questão todos os automatismos, seja no pensar, seja no dizer, institucionalizados na retórica pedagógica, que se assemelha aos corredores de um labirinto que aprisiona crianças, adolescentes e jovens no  emaranhado de fios da lógica da carência cultural e do fracasso escolar e, consequentemente, os coloca em estado de invisibilidade no interior da escola ou os leva à evasão.

O questionamento da retórica pedagógica deve nos levar a buscar o rosto do outro em toda a sua concretude e estar face a face, que deve ser a placenta de todo ato educativo. Na educação em direitos humanos, sou ensinado de uma maneira não maiêutica, pois o princípio educativo não é o eu, e sim o Outro. Não interessa para ela manter a primazia da consciência, da autorreflexão, ou a estabilidade de uma proposta pedagógica de cunho subjetivista, mas sim manter a primazia em uma pedagogia da responsabilidade revelada na inquietude de um eu que vê, ouve, sente e responde aos apelos do Outro.

O sentido da educação em direitos humanos é pensar a liberdade, a autonomia e a subjetividade a partir da responsabilidade pelo Outro. Não há, pois, liberdade e subjetividade fora do compromisso ético estabelecido pela alteridade, uma vez que elas não são resultado do esforço pessoal e das boas intenções. Como escreveu Bauman (2004, p. 67), “a responsabilidade moral é a mais inalienável das propriedades humanas, e o mais precioso dos direitos humanos”.

Para mim, uma vida para a alteridade implica sair do centro, considerar que existem milhões de pessoas sem documentos, sem casa, sem saúde, sem lazer, sem trabalho ou submetido ao trabalho escravo, sem educação escolar, sem comida, sem água. Mais do que na crítica, educar em e para os direitos humanos se assenta na autocrítica imposta a cada um de nós pela condição (des)humana em que o Outro se encontra. Essa condição é decisiva para se pensar o ato educativo-pedagógico.

A educação em direitos humanos é um caminho para nos livrar de uma pedagogia do perito que sempre quer envolver a tudo e a todos em uma teia metodológica de técnicas e fazeres que faz de educadores e educandos pessoas homogêneas, domesticadas e cativas, sem nenhum espaço para a singularidade e sem condições de encontrar novos sentidos para a vida.

A educação em direitos humanos me ensina que não é possível ter outra educação e subjetividade senão aquelas habitadas pelo Outro que, por sua presença, transforma a educação em espaço de humanização a partir do face a face, encontro que me põe no caminho do bem, da ética, para além do ser. E para ir além do ser, penso que se faz necessário estruturar o nosso viver a partir da cooperação. Cooperar pressupõe reconhecimento. Reconhecer não é só perceber a presença de alguém, mas, mais do que isso, é ver, abrir espaços, acolher e viver em comum as infindáveis possibilidades.

Nenhuma forma de vida é uma ilha. Ou somos cooperativos ou não somos. Protagonizar a educação em direitos humanos é abrir-se ao Outro, é responsabilizar-se por ele, é compartir da luta contra todos os ferrolhos e labirintos da competição, possibilitando a todas as formas de vida viver o seu kairós, tempo favorável para libertar e ser libertado, feitas inteiramente de imanência e transcendência.

 

Sobre o autor
Cientista social, professor da Universidade Estadual de Goiás e Doutorando em Educação na Universidade Federal de Goiás. As ideias trabalhadas neste texto são parte da dissertação de Mestrado do autor.

Para saber mais
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004


Imagem de destaque: Galeria de imagens

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *