Racismo Pedagógico

Tiago Tristão Artero

O Racismo Pedagógico não admite o trabalho em roda, o olho no olho, a mão no chão, o movimento do corpo como forma de aprendizado e comunicação, os conhecimentos não validados pela academia eurocentrada e colonizante, a utilização de símbolos como aprendizado, o uso da musicalidade produzida pelos que estão à margem, as pinturas e grafismos seculares, a diversidade (de cabelos, de roupas, de gêneros), a integração com a natureza e as distintas cosmovisões que compõem as culturas populares, afrodiaspóricas e indígenas.

O Racismo Pedagógico está reforçado no lugar do não ser, das não culturas, não filosofias, das relações e práticas exóticas, nomeadas como afro-brasileiras, ameríndias, em contraponto ao que é legítimo e oficial, não necessitando ser nomeadas “eurobrasileiras”, pois o lugar está calcado no que é validado acriticamente.

É fruto da colonialidade que se manifesta, atinge e se desenvolve no ser, no saber e no poder, como apontam as reflexões das e dos autoras(es) que tratam da colonialidade como, por exemplo, Quijano e Fanon.

Renato Noguera fala das motivações pelas quais, por exemplo, a filosofia mais antiga (aliás, muito mais antiga), a Africana, é ignorada em contraposição aos conhecimentos centrados na Grécia (e na Europa como um todo). Ele nomeia esta contradição como sendo um Racismo Epistemológico.

Katiussia Ribeiro indica a importância de realizarmos um movimento de Ancestralização, de (Re) Ancestralizar as vozes.

Sueli Carneiro, ao falar sobre a discriminação racial, indica que o Epistemicídio é praticado nos mais diversos locais

Julio Tavares, ao falar sobre a ginga, aponta a centralidade do corpo, da corporalidade na construção do modo de ser brasileiro.

Estendo esta problemática para a racialização como um todo e, no caso do Brasil, também para os mais de 300 povos indígenas – com seus saberes, práticas, medicinas, ciências, arquiteturas, filosofias, conhecimento em geografia, biologia, arte, oralidades (indicados sem as nomenclaturas e o pensamento cartesiano branco, claro!).

Ainda que sofrendo o processo de genocídio, os povos africanos e indígenas (ameríndios) já utilizavam avançadas tecnologias nos últimos séculos. Só para citar alguns exemplos, a metalurgia já era praticada na África séculos antes do que se denomina no calendário cristão como A.C.

Os povos indígenas (que viviam aos milhões antes da guerra bélica e biológica promovida pelos invasores europeus que pra cá vieram) já dominavam as técnicas de navegação em rios, criação de animais e técnicas de agroecologia sofisticadas (que deu origem aos biomas que chamamos de nativos, hoje – Amazônia, Pantanal, Cerrado, etc).

O potente Quilombo dos Palmares, com população numa faixa entre 20.000 e 40.000 pessoas (na verdade, um conjunto de quilombos), desenvolveu (e adaptou do conhecimento que trouxeram da África) construções, pecuárias e agriculturas suficientes para sua manutenção e qualidade de vida.

Invocando o conceito de ancestralidade, os povos indígenas, expulsos de suas terras e a mercê dos métodos bélicos do Estado capitalista, buscam manter e resgatar suas práticas. O mesmo se dá com os mais diversos povos negros que tiveram que reconstruir suas culturas, num outro contexto, em contato com outros povos da África que foram misturados nas senzalas no Brasil.

Estas riquezas culturais mantidas e reinventadas são tipicamente brasileiras, ressignificadas no contato com os corpos em diáspora que foram arrancados de suas terras africanas e em contato com os povos indígenas, em alguns casos.

Vou nomear, aqui, estas práticas, estas performances, filosofias e cosmovisões como decoloniais, e resistem… mesmo que as esferas de poder aloquem estes saberes como não relevantes.

Este movimento de descolonização das mentes e dos corpos vem ganhando densidade desde o século passado e, aos poucos, (na verdade) com muita luta, tem entrado no âmbito da academia.

Ainda que não aceito nos ambientes formais, dado o Racismo Institucional, possuem algumas características em comum que podem ser apontadas.

Por sua origem e por fugirem da estética, ética, filosofia e utilitarismo convencionado como “bom” para as pessoas e para a sociedade, estes saberes compõem um conjunto de princípios e práticas descartados a priori, por exemplo, do ambiente universitário e escolar.

O movimento de descolonização exige uma versão própria de visão de mundo e dos conhecimentos atrelados a esta visão. Para tanto, a própria organização pedagógica necessita ser distinta do modelo de catequese ou de semelhanças com o regime militar utilizado atualmente.

Hierarquia exacerbada, fragmentação do conhecimento, enfileiramento dos corpos, impedimento do contato visual com os colegas, gestos colonizados (como a Luciane Ramos Silva diz, sobre a colonialidade do gesto), afastamento do conhecimento gestado no meio popular… são só algumas características do que podemos, escancaradamente, observar hoje.

Organização dos momentos de ensino em formato de roda, utilização de outros símbolos (além dos validados pela concepção eurocentrada nos livros e na saliva da/do professora/professor), do corpo como aprendizado, da música e dos movimentos como forma de comunicação, das pinturas e grafismos como condensados de saberes seculares, das estéticas (nas roupas, nos cabelos, nos artefatos) distintas das validadas pela padronização dos corpos (no caso, da estética branca colonial); são todos fatores que, em alguma medida, quando colocados em prática, sofrerão reprimenda ou algum tipo de violência (simbólica, ou não).

Ao sair do eurobrasileiro e aplicar pedagogias outras (decoloniais), calcadas em outras cosmovisões, as/os sujeitas(os) ficam vulneráveis.

Portanto, esta tentativa de matar os conhecimentos (este Epistemicídio) se materializa num Racismo Epistemológico; e as formas de abordá-los, ou seja, os métodos pedagógicos colonizantes impõe formas únicas reduzidas, ou seja, uma forma de Racismo Pedagógico.


Imagem de destaque: Estudante Indígena durante Tsunami da Educação. 15/05/2019. Foto: Yolanda Assunção

 

 

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