Marcelo Silva de Souza Ribeiro
Antes de mais nada é importante sublinhar que as chamadas políticas reparadoras, portanto, inclusivas em sua perspectiva maior, são necessárias, sobretudo em um pais com marcas profundas de desigualdades, como é o caso do Brasil. Assim, o bônus, como possibilidade em si, de um tipo de política reparadora pode ter suas pertinências.
Mas vamos explorar um pouco mais esta questão partindo para o ponto privilegiado que é a reivindicação do bônus regional para estudantes de Petrolina – PE (e também de Juazeiro – BA) ingressarem na Univasf.
Essa reivindicação não tem nascedouro recente. Na verdade, suas sementes foram plantadas por volta de 2010, quando a Univasf adotou o sistema SISU / ENEM como meio de ingresso para os seus cursos de graduação. Além disso, a instituição adotou, pioneiramente, o sistema de cotas, onde 50 % das vagas estavam destinadas a alunos oriundos de escolas públicas (independente da região).
Já naquela época, por conta dessa decisão da Univasf (e mesmo antes) houve uma série de manifestações e pressões de políticos, donos de cursinhos e estudantes para que a Universidade mantivesse seu próprio sistema de ingresso. Obviamente, os interesses já estavam claros, ou seja, manter algumas vantagens para grupos das duas cidades circunvizinhas.
Após uma série de manifestações, a favor e contra, a Univasf seguiu o curso acertado desse tipo de ingresso que, além de democratizar o acesso, provocou uma série de impactos positivos para as universidades e também para a educação básica (há inúmeros documentos e pesquisas que comprovam e relatam esse fato).
Ainda nesse período, o grande argumento disseminado era que iria haver uma invasão de estudantes estrangeiros (diga-se de passagem, brasileiros de outras cidades e regiões), alijando a oportunidade dos “filhos da terra” de terem acesso a Universidade (na verdade, de olho no cobiçado curso de medicina). Os grandes promotores do movimento contra a adoção do sistema o SISU/ENEM eram, sobretudo, donos de cursinhos, alguns proprietários de colégios e certos políticos tradicionais da região. Após sacramentar a decisão no Conselho Universitário (Conuni) a respeito da adesão da Univasf ao sistema, uma página foi virada e o referido movimento entrou em estado de latência.
Aproximadamente 5 anos depois, o movimento ressurgiu com nova roupagem. Dessa vez, explicitando o bônus regional para estudantes de Petrolina e Juazeiro. Os argumentos apresentados podem ser resumido em 5 pontos:
1. Um fator relevante para que haja incremento do capital humano em uma região seria a inclusão da maior proporção possível da população local na escola, em todos os níveis de escolaridade;
2. Favoreceria a inclusão de estudantes locais.
3. Criaria uma barreira a injustiça (um sistema de protecionismo “aos da casa”, ou seja, da região). Há universidades, por exemplo, que adotaram o bônus regional e os estudantes desse lugar poderiam vir a Univasf e o princípio da reciprocidade não estaria sendo respeitado;
4. Diminuiria a quantidade de alunos da região que precisam estudar em outras localidades;
5. Diminuiria a evasão dos estudantes;
Esses argumentos não conseguem ter sustentabilidade sob várias perspectivas, sejam legais, morais, científicas ou políticas (justiça social). Vejamos algumas dessas perspectivas:
a) A Univasf já está comprometida com políticas de inclusão e sensível com o desenvolvimento regional;
b) Desde 2010 cerca de 80% dos estudantes são da região. Esses dados, em 2014/2015 chegam a 94%! Mesmo no curso de medicina, a presença de estudantes da região acompanha a média de muitas universidades federais.
c) O princípio da reciprocidade parece estar muito restrito a alguns campi de universidades. Além disso, há a polémica em relação à legalidade constitucional do sistema de bônus regional para UNIVERISDADE PÚBLICA FEDERAL.
d) Não há nenhuma evidência que o bônus regional combateria a evasão.
A legitimidade, requer, como vimos, autenticidade, e esta, portanto, não tem meio termo e não se sustenta no vazio. Além disso, um movimento legítimo requer ética, o que parece muito distante para o caso aqui analisado.
Pois bem, após a retomada do movimento da bonificação regional, algumas audiências e eventos aconteceram nas cidades. Uma oportunidade interessante para o debate de ideias e o diálogo. Entretanto, a vociferação por membros desse movimento obnubilou qualquer oportunidade de uma relação dialógica.
Em declaração dada a mídia local um dos vereadores apologista do movimento disse que “50% do conselho da Univasf pensa que é Deus e os outros 50% tem certeza que é”, como forma de intimidar os representantes do Conuni para votar a favor da bonificação. Nesse caso, chamar os conselheiros de “Deuses” não foi só uma afronta pessoal a cada membro da comunidade universitária, mas é, acima de tudo, uma tentativa (arrogante) de intimidar a autonomia universitária.
A clara demonstração de intransigência, intolerância e mesmo virulência nos atos demostra o modus operandi desses políticos, alguns empresários e seus séquitos. Querer impor interesses claramente privatistas, sobretudo de olho no curso de medicina, justamente porque criaria uma boa reserva de mercado, utilizando argumentos populistas em defesa dos “coitados sertanejos” é, no mínimo, ilegítimo.
Isso revela uma ideologia coronelesca-patrimonialista à medida que desrespeita a institucionalidade democrática, querendo impor interesses espúrios, ou seja, que a Universidade Pública Federal seja vantajosa a esses grupos privados. Ademais, insurge uma espécie de xenofobia à brasileira quando esse movimento alude barrar brasileiros em nome de um suposto discurso do sertanejo-vítima. O interessante e o bizarro de tudo isso é que, em nenhum momento, nem esses políticos e nem esses empresário, saíram em defesa da qualidade de escola pública.
O bônus regional, portanto, na particularidade que se apresenta para Univasf, não é legítimo. Porém, não só ilegítimo para Universidade, mas também uma afronta para a sociedade regional e brasileira.
Além de evidenciar a ilegitimidade desse processo, o “caso Univasf” expressa, apesar de suas particularidades, uma insurgência nacional de interesses privatistas (em detrimento do público), uma postura da intolerância e de relações autoritárias. Parece que estamos vivendo um momento muito delicado, onde as institucionalidades democráticas, duramente construídas e ainda por se consolidar em muitas situações, se encontram ameaçadas por setores da sociedade que voltam a mostrar suas garras.
Este caso vivido no contexto da Univasf expressaria, portanto, um sinal, um sintoma social de ameaça às institucionalidade democráticas do Brasil? Em um período de fragilidades políticas e esgarçamentos de conquistas sociais, os interesses privatistas estariam ganhando espaços? E a educação pública, gratuita e de qualidade, como ficaria?
Prof. do Colegiado de Psicologia – Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF
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