Políticas e políticos, parem de prometer esporte! Cadê as práticas corporais?

Tiago Tristão Artero 

Este artigo de opinião é um apelo para que seja superado o atual reducionismo das políticas públicas na área das práticas corporais.

Aqui vão alguns motivos:

Esporte não é saúde. Depende do uso que se faz deles. Pode, inclusive, fazer mal à saúde.

Esporte não recupera “vidas perdidas”. O que amplia as capacidades de um ser humano é o engajamento saudável e equilibrado em atividades e a melhoria das condições de vida, modos de vida equilibrados.

Esporte não livra do vício. Quantos jogadores não começaram seus vícios justamente com uma prática esportiva competitiva de alto rendimento e que estimula o uso de diversos tipos de drogas?

Esporte não melhora as relações de uma comunidade. Quantas pessoas não são estimuladas a serem muito competitivas, violentas e criarem hostilidade entre grupos e vilas, servindo a uma lógica que interessa ao modelo econômico-social hegemônico decadente?

Pode, sim, ser saúde, “recuperar vidas” (entre muitas aspas e ponderações sobre esta expressão), livrar de vícios (cabe um debate sobre o tema vícios), melhorar alguns aspectos das relações sociais, mas depende do uso que se faz dele. Vejo muitas limitações e prejuízos que o esporte pode gerar numa sociedade que tem seu psiquismo formado por coaches, nas quais as alianças entre pessoas são pontuais e oportunistas, portanto, difícil pensarmos em coletividade nesta ótica, já que nos aproximamos dos outros por conveniência e vontade de ascender econômica e profissionalmente.

Defendo aqui práticas corporais, dentro da visão que uma Educação Física que se pretende ser Decolonial me dá. Para quem preferir, atividades que promovam uma cultura corporal de movimento.

Nisso, o Brasil “ganha de goleada”.

A diáspora proporcionou que as nações africanas se reorganizassem aqui, formando atividades corporais que estão contempladas na tríade cantar-dançar-batucar, citada por um grande pensador do Congo, Fu-Kiau, e desenvolvida por Zeca Ligiéro, no documentário que está no Youtube “O Outro Teatro”, no qual analisa as performances corporais presentes no Brasil e em muitos lugares do Sul global do mundo. Zeca parte das múltiplas Performances Corporais silenciadas, dentro das culturas subalternizadas pelo sistema empresarial em que vivemos, sistema que é pregador de um intenso reducionismo cultural, sob o discurso de diversidade de consumo na área de “Arte e Entretenimento”.

Por isso vemos o Tambor de Crioula, a Capoeira, o Candomblé, os mais diversos tipos de danças afro-brasileiras, as diversas lutas de inspiração africana, danças e lutas das centenas de etnias indígenas presentes no chão brasileiro (que é, em verdade, chão indígena).

Sugiro uma mudança de discurso para as candidatas e candidatos, para os políticos, conselheirxs e fazedores de políticas públicas.

Anuncie:

Práticas corporais nos bairros, vilas, na área rural ligadas à Natureza;

Práticas corporais ligadas à dança afrobrasileira e, também, com referenciais das etnias indígenas;

Músicas, dança, produções gestadas na periferia, na margem do sistema;

Lutas corporais das mais diversas que não têm como foco uma competição alienante presente em esportes valorizados pela mídia empresarial – Huka-huka, Capoeira (que também é jogo, dança e música), Luta Marajoara, Luta do Maracá, Briga de Galo (Acre), dentre muitas outras.

Os mais variados jogos brasileiros que dizem muito da nossa cultura e podem ser contextualizados.

Na nossa “Neurose Cultural Brasileira” nossos olhos brilham quando vemos crianças tocando violino ou dançando balé, que é o jeito português/brasileiro para referir-se a ballet. Mas ficamos assustados quando uma criança inicia-se no candomblé, bate um tambor ou faz um teatro de orixás.

Puro preconceito, aculturamento e racismo, não?

Fica a dica para as escolas e representantes políticos serem um pouco mais patriotas neste chão brasileiro indígena, construído também pelas mãos e sangue das negras e negros, inclusive crianças, ainda hoje.

Um pouco de reconhecimento e bom senso para trilharmos outros caminhos e pensarmos em alternativas a esse desenvolvimento que, desde 1500, não deu certo.


Imagem de destaque: Paula Fróes/GOVBA

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