Ir ou não ir à escola: eis a questão em tempos de pandemia

Marcelo Silva de Souza Ribeiro

Quase um ano depois do início da pandemia de COVID-19 no Brasil e, consequentemente, do fechamento das escolas e da implementação das atividades de ensino remoto, volta-se a se discutir se os estudantes devem ou não voltar às escolas, ainda que em modelos híbridos.

A resposta a essa questão não é simples porque envolve uma série de variáveis, além dos graves desdobramentos. Se por um lado há necessidade dos estudantes viverem seus mundos escolares, muitas vezes expressos pelos próprios adolescentes e crianças, há que se considerar os devidos cuidados e as garantias dos protocolos biopsicossociais de segurança*

Sabe-se que inúmeras crianças e adolescentes anseiam em rever seus colegas e professores, assim como o direito de acesso à formação de qualidade deve ser seriamente considerada nas políticas educacionais nesse contexto de pandemia. Contudo, equacionar essas legítimas demandas não é tarefa fácil e não há uma resposta única para todas as situações. 

Um primeiro ponto a destacar é a heterogeneidade das redes e as diferenças regionais. O Brasil é um país marcadamente desigual e as políticas adotadas por uma certa região precisam ser devidamente ajustadas às outras. Essas diferenças se referem, sobremaneira, às condições de vida da população. Uma coisa é considerar regiões que têm um sistema público de transporte eficiente, com razoável Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e escolas públicas de qualidade. Uma outra coisa é se deparar com populações que não têm acesso a internet, que dependem de transportes coletivos precários e escolas com parcos recursos disponibilizados pelas secretarias de educação. De outra forma, e só para trazer mais um exemplo, uma coisa é aquele aluno que tem o privilégio de seus familiares o levarem de carro para escola e outra realidade é quem precisa se apinhar durantes horas em transporte. 

A despeito dessas múltiplas realidades há que se pensar em regras mínimas que orientem as políticas de controle e prevenção nos contextos escolares. 

Infelizmente, a pandemia de COVID-19 não apenas deixou milhares de brasileiros enlutados como também aprofundou as desigualdades. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2008), aponta que a pandemia ampliou a desigualdade do sistema educacional. Muito provavelmente essa situação reverbera nos estudantes que vivem condições de vida mais desfavoráveis, comprometendo seus processos de aprendizagem. Essa lamentável realidade pesa sob a urgência no retorno à escola, uma vez que o ensino remoto indica inocuidade para aqueles que ocupam os estratos sociais mais baixos. É verdade que essas condições materiais não são necessariamente determinantes e que políticas públicas eficientes poderiam ter sido adotadas, mas de fato não foi isso que aconteceu, pelo menos não na maioria das situações.

Um outro ponto a destacar é a própria condição em relação à saúde mental das crianças, adolescentes e mesmo dos familiares. Não está sendo fácil a vida em confinamento e sob contexto de pandemia, o que gera inúmeros comprometimentos como os transtornos de ansiedade. Conflitos interpessoais também têm se acentuado, inclusive envolvendo as relações entre pais e filhos. Essa situação sugere que a vida escolar, no mínimo considerando-a como espaço de socialização, é importante para o equilíbrio de vida da família, sem falar do aspecto relativo ao desenvolvimento das crianças e adolescentes. Esse ponto recrudesce as críticas sobre alguns aspectos do homeschooling.

Contraditoriamente a vida em confinamento, pelo menos para alguns, inclui episódios de aglomeração, sobretudo com a intensa participação de jovens em baladas, praias, bares… Muito possivelmente alguns dos adolescentes que não estão indo à escola são os mesmos que circulam negligentemente nas ruas. Essa é uma realidade que precisa ser encarada, mesmo que haja entendimentos acerca da participação do presidente Bolsonaro no sentido de negar a pandemia e incentivar as pessoas a “saírem de casa”.

Isso, por sua vez, demanda uma reflexão mais crítica sobre o fechamento ou abertura das escolas. Seria uma falácia associar, por exemplo, a abertura das escolas ao aumento da epidemia, quando outras ações necessárias não estão sendo acatadas? Não estariam mais protegidos e orientados os adolescentes e as crianças no contexto escolar?

Há que se questionar também acerca dos verdadeiros interesses em relação às tomadas de decisões dos políticos quanto ao retorno às escolas. Estão movidos por interesses de mercado e eleitorais? Estão preocupados realmente com a qualidade de vida das pessoas e com a formação dos estudantes? Os protocolos biopsicossociais de segurança estão realmente sendo levados a sério ou é só “para inglês ver”? 

Não se pode perder de vista, por outro lado, as novas ondas de contágio, inclusive com diferentes cepas do vírus. Ademais, a política de vacinação no Brasil tem demonstrado incertezas e gerado inseguranças quanto ao seu planejamento e logística.

São muitas as questões a serem consideradas no que diz respeito ao retorno ou não às escolas. Certamente a resposta é relativa, plural e carregada de tensão e especificidade. A resposta, portanto, precisa ser construída via a reflexão coletiva e franca consideração das múltiplas condições e situações. Eis a questão.

*Entendemos que os protocolos de segurança em relação à prevenção da COVID 19 precisam adotar medidas de ordem biológicas, psicológicas e sociais.


Imagem de destaque: Tony Winston / Agência Brasília.

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