Liberalismo e educação para a cidadania

Antonio Carlos Will Ludwig

O liberalismo enquanto ideologia surgiu paralelamente ao início e ao avanço da industrialização, bem como ao lado do crescimento do mercado, do capital e do trabalho. Diversos fatores se conjugaram no final da Idade Média para produzir esta doutrina, os quais, combinados, provocaram sérias mudanças na sociedade, tais como a urbanização, a transferência do poder à burguesia e o predomínio da ciência e da técnica. Constituem notas marcantes desta ideologia o ostensivo apreço pelo individualismo, a defesa intransigente da liberdade e a valorização da paridade de direitos com vistas à fruição de vantagens.  

Muitos intelectuais colaboraram para a emergência do liberalismo. Adam Smith é um deles. Sua contribuição cingiu-se à área econômica. Foi um árduo defensor da total liberdade à iniciativa privada resultante dos interesses pessoais, o que significa a não ingerência ou a mínima intervenção possível do Estado no mercado. Outro, é o filósofo Voltaire que se destacou pela intransigente defesa das liberdades civis, pelo combate a diversas formas de intolerância e pela luta contra os privilégios que em sua época destinavam-se ao clero e à nobreza. Um terceiro diz respeito a Montesquieu, eminente pensador que se notabilizou pelos estudos pertinentes às formas de governo e principalmente pela propositura da teoria política relativa aos três poderes constituintes de um Estado democrático.  

Essencialmente, os arautos do liberalismo concebem que o individualismo se revela a base da totalidade existencial que envolve os aspectos moral, político, cultural e econômico. O sujeito antecede a sociedade e se apresenta mais real que ela. Cada ser humano em particular é encarado como sendo de igual valor. A pessoa é vista como um ente solitário, fechada em si mesma, enclausurada em sua subjetividade. Seus interesses e aspirações são postos acima de tudo. Inexiste qualquer princípio ético que possa justificar sua coação. Em decorrência, o indivíduo se mostra como entidade dotada de autonomia plena.                                     

Ao lado do individualismo, e com igual importância, coloca-se a liberdade, entendida pelos liberais como a ausência de qualquer tipo de coação e repressão sobre a pessoa. Geralmente ela se encontra associada à propriedade. A posse de bens materiais personifica a liberdade pessoal. Assim sendo, a igualdade social e econômica não pode ser buscada sob pena de se destruir a liberdade de cada um. A única forma de igualdade que deve ser garantida a todos é a de acesso ou de oportunidade. Interferir na propriedade de cada um significa violar gravemente os direitos e a liberdade do cidadão. 

Para os liberais, a justiça diz respeito à manutenção de um conjunto formal de normas e procedimentos. Abarca uma estrutura legislativa destinada a conferir proteção às pessoas que lutam pela concretização de seus interesses, sendo que as questões de pobreza, disparidades econômicas e desemprego não constituem objetos de sua atenção.                   

Quanto à política, o liberalismo contém notas específicas. Concebe o Estado como uma entidade orgânica, constituído para realizar as aspirações comuns de todos, uma vez que ele é consequência dos desejos e dos interesses da totalidade dos cidadãos que dele fazem parte. A democracia representativa é preferida em detrimento da participativa por causa de seus possíveis excessos, porém sem negá-la. A tarefa do governo é a de manter as funções essenciais, ou seja, conservar a lei e a ordem interna, proporcionar segurança e defender a propriedade privada. 

Em relação à economia, os liberais defendem que ela deve se desenvolver sem intervenção do Estado. A liberdade do mercado deve ser assegurada a qualquer custo. Entretanto, o Estado pode interferir na economia desde que seja para defender ou promover os interesses do mercado, o que não significa, de modo algum, que ocorra favorecimento à instauração de uma economia comandada pelo Estado. 

Como superestrutura ideológica do capitalismo em seus primórdios e posterior desenvolvimento, o liberalismo valoriza muito a educação. Além de formar os recursos humanos necessários ao avanço deste regime econômico, a educação permite a ocorrência da mobilidade social das pessoas, favorece a robustez e a segurança do Estado e promove o bem-estar geral. Substancialmente a educação liberal tem um sentido amplo e abrangente, muito ligada às disciplinas de humanidades.  

Este liberalismo tradicional e originário concede valor à cidadania a qual é vista como um título concedido às pessoas. Ele sacramenta um liame entre o indivíduo e o Estado. Em decorrência, o indivíduo tem que cumprir uma série de deveres para com o Estado e este, por sua vez, tem que garantir um conjunto de direitos ao indivíduo. Tal liberalismo que defende a tripartição do poder político valoriza os processos eletivos de representantes e admite o voto em plebiscitos e referendos e a elaboração de projetos de iniciativa popular.                                                            

A adoção da perspectiva liberal na formação para a cidadania exige essencialmente que os educadores conscientizem os alunos a respeito de seus direitos e deveres e os preparem  para serem eleitores competentes. Do ponto de vista cognitivo isto implica o conhecimento, a análise e o julgamento por parte deles a respeito das propostas dos candidatos e o acompanhamento da atuação dos eleitos. Embora possa vir a ocorrer um eventual incentivo aos discentes à participação nos projetos de iniciativa popular e na tomada de posição em referendos e plebiscitos torna-se claro que a cidadania passiva é a preferida pelos adeptos do liberalismo. 


Imagem de destaque: La Liberté guidant le peuple (1830) – Eugène Delacroix / Louvre

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