Os indesejados da escola

Alex de Oliveira Fernandes

Não é de hoje que se observa um movimento de transferência de estudantes do Ensino Fundamental, na faixa etária entre 15 e 17 anos, para a EJA. Esse movimento é um fenômeno social e, portanto, possui múltiplas causalidades que devem ser analisadas em conjunto. Como afirma Arroyo (2017), tratar da educação é tratar da vida de pessoas e estas são complexas demais para caberem em classificações dicotômicas, simplórias.

Entretanto, a despeito da complexidade intrínseca ao que muitos pesquisadores descrevem como juvenilização, percebemos que esse fenômeno resulta dos processos de insucesso escolar, o qual vem preocupando educadores que são desafiados pela presença cada vez maior desses jovens na EJA. Quais os motivos que levam os estudantes jovens a buscarem cada vez mais cedo as salas de aula da EJA? Eis uma questão que deve sempre nos acompanhar.

Acontece que a pandemia provocada pela covid-19 fez com que muitas escolas, de diferentes sistemas municipais e estaduais, produzissem novos estudantes para EJA, os “indesejados”. Os indesEJAdos são aqueles educandos de 15 a 17 anos malquistos no Ensino Fundamental não apenas pela idade, mas, principalmente, pelo comportamento considerado inadequado, incluindo indisciplina, desinteresse pelos estudos e violação das regras escolares. Há vários exemplos de Pedros, Jorges, Willians, Ítalos, Adrianas, Renatas, Marcelas, etc que no ano de 2020, início da pandemia, estavam com 13, 14 anos, cursando 8º ou 9º ano. Muitos desses estudantes tiveram a vida escolar interrompida com o fechamento das escolas. A falta de investimento, morosidade de gestores e a incompetência observadas nos sistemas educacionais durante a pandemia contribuíram para que o atendimento remoto não chegasse a todos (as) estudantes. Como resultado, os educandos prejudicados pelas fragilidades dos sistemas educacionais foram transferidos para EJA já que agora com 15 ou 16 anos passaram a serem malquistos no dito “Ensino Regular”. Ou seja, provocado pela pandemia, o fluxo de transferência para a EJA ganhou nova conotação, embora igualmente excludente.

“Mandar para EJA” tem sido a solução cômoda de “transferir o problema”. Com isso, as escolas se eximem da responsabilidade de garantir uma educação de qualidade social para todos(as). Sabemos que a relação tensa e conflituosa vivida pelo estudante estigmatizado, rotulado como problema, passa pelos aspectos disciplinares e pedagógicos adotados pelas escolas que muitas vezes são inadequados e insuficientes na perspectiva da interação social e cultural inclusiva. A perspectiva inclusiva deve nos orientar na busca da superação das relações sociais opressoras sob as quais vivem os estudantes e suas famílias. Entretanto, o ciclo da violência na sociedade de classes se retroalimenta afetando os mais pobres em sua maioria estudantes negros(as) de periferia transformados pelo sistema educacional em seres indesejados.

É preciso refletir sobre esse processo que transforma sujeitos de direitos em estudantes “indesejados”. Embora os propósitos da modalidade se mantenham no sentido de garantir aos sujeitos da EJA uma ação reparadora de direito, uma educação equitativa e de qualidade, o acolhimento dos “indesejados” tem sido caracterizado por dificuldades, tensões e violências. São desafios que exigem o repensar da estrutura organizacional da escola como condição para enfrentar o tratamento de desprezo dado a esses sujeitos de direito.

Há um sentido humanizador na EJA que pode ajudar no acolhimento desses sujeitos transformados em seres indesejados pela escola. Fundamentada na educação popular e no diálogo como categoria central da organização pedagógica, a EJA, enquanto modalidade, reconhece, respeita e valoriza a trajetória social, histórica e cultural de cada estudante, de forma a contribuir para que esses jovens não percam o estímulo e desanimem diante das dificuldades e dos obstáculos encontrados nos processos de retorno à escola. Não podemos desistir de ninguém e a insistência no poder transformador da educação passa pela superação dos estigmas criados pela escola.

Sobre o autor
Professor das redes municipais de Contagem e BH. Doutor em Educação pela FaE/UFMG. Atua na EJA desde 2004.


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