Os cem anos da Semana de 22 – parte II

Alexandre Azevedo

Em 1914, fugindo dos horrores da primeira grande guerra, o pintor lituano Lasar Segall chegava ao Brasil, trazendo em sua bagagem o expressionismo do norueguês Edvard Münch (pintor de “O Grito”), expondo em São Paulo e em Campinas as suas telas de imagens retorcidas, deformadas, nascidas do seu “eu” atormentado. Depois de algumas temporadas na Europa, voltava definitivamente para o Brasil, naturalizando-se brasileiro em 1923. Em 1917, foi a vez de Anita Malfatti expor as suas telas cubistas, influenciadas pelos traços geométricos do espanhol Pablo Picasso, causando a indignação de Monteiro Lobato no artigo “Paranoia ou Mistificação?”, com data de 20 de dezembro, no jornal O Estado de S. Paulo. Eis um trecho de sua crítica:

(…) Essa artista possui um talento vigoroso, fora do comum. Poucas vezes, através de uma obra torcida para má direção, se notam tantas e tão preciosas qualidades latentes. Percebe-se de qualquer daqueles quadrinhos como a sua autora é independente, como é original, como é inventiva, em que alto grau possui um sem número de qualidades inatas e adquiridas das mais fecundas para construir uma sólida individualidade artística. Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos domínios dum impressionismo discutibilíssimo, e põe todo o seu talento a serviço duma nova espécie de caricatura.

Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e “tutti quanti” não passam de outros ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura a regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma – caricatura que não visa, como a primitiva, ressaltar uma ideia cômica, mas sim desnortear, aparvalhar o espectador (…).

O artigo crítico de Lobato deixou Anita Malfatti profundamente abalada, a ponto de dedicar-se à pintura acadêmica, entretanto, o artigo conservador do escritor paulista foi uma espécie de gota d’água, estava então decretado oficialmente o combate a qualquer tipo de arte conservadora e retrógrada, nas palavras de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti Del Picchia (que depois, juntamente com Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, formariam o grupo dos cinco, espécie de comando-maior do Modernismo brasileiro). Cinco anos depois, justamente no centenário da independência, esses já não tão jovens artistas promoveram nas noites dos dias 13, 15 e 17 de fevereiro, a Semana de Arte Moderna. Isso mesmo, uma semana de três noites apenas (apesar de os realizadores divulgarem que a Semana iria de 11 a 18 de fevereiro), mas de grande efervescência cultural.

Na primeira noite, além da exposição de telas de Anita Malfatti, Zina Aita, Di Cavalcanti, Lasar Segall, Rego Monteiro e John Graz no saguão do teatro (é bom ressaltar que a pintora do Abaporu, Tarsila do Amaral, não participou da Semana, já que estava em viagem pela Europa), houve a abertura oficial com a palestra do escritor pré-modernista Graça Aranha, o já conhecido romancista de “Canaã” e imortal da Academia Brasileira de Letras (instituição com a qual rompeu em 1924, por considerá-la antiquada, aos brados de: “Se a Academia não se renova, morra a Academia!”). A plateia, um tanto desconfiada com o que viu no saguão do teatro, assistiu à sua conferência, intitulada “A emoção estética da arte moderna”. Graça Aranha, o único pré-modernista a participar da Semana, ficou mais tarde conhecido como “o padrinho dos novos escritores”.

Na noite seguinte, dia 15, a famosa pianista Guiomar Novaes, aproveitando de um intervalo, sentou-se ao piano para tocar músicas de autores conhecidos, renomados e consagrados, desagradando e muito os participantes da Semana, mas sendo efusivamente aplaudida pela plateia. Nessa mesma noite, Menotti Del Picchia apresentou ao público os novos escritores, os seus colegas de ofício, sendo, desta vez, repudiado pela plateia com vaias e uma diversidade de sons onomatopaicos, imitando grunhidos, latidos e miados.

A segunda noite alcançou o seu ponto máximo, quando o poeta Ronald Carvalho subiu ao palco para declamar o poema “Os Sapos”, de Manuel Bandeira (impedido que estava ele de participar do evento por conta de um agravamento de sua tuberculose), numa dura crítica aos poetas parnasianos, principalmente a Olavo Bilac (o sapo-boi), já que esses eram poetas preocupados com a estética, com os seus sonetos decassílabos comparados a diamantes lapidados por ourives, tanto que ficaram conhecidos como poetas-joalheiros, fiéis seguidores do lema “arte pela arte” (a poesia como a mais pura expressão da beleza), escondendo-se no topo de uma torre imaginária, a “torre de marfim”, longe de todos e de tudo, para que, no absoluto sossego feito um monge enclausurado, pudessem produzir uma poesia esteticamente perfeita.


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