Quase esquecido nas grandes metrópoles e muito frequente em periódicos de circulação local, o obituário é a última homenagem aos entes queridos recentemente falecidos. É composto por testemunhos emocionados em uma espécie de resumo da vida, enaltecendo grandes feitos, valorizando conquistas profissionais, destacando relações afetivas e, não raramente, pontuando uma lembrança do temperamento daquele que partiu. Fomentar uma discussão a respeito deste tema, pode parecer mórbido e inadequado, afinal, atravessamos uma grave crise sanitária. A surpresa é esperada, mas não deveria, haja visto que todos estamos expostos. Chegamos ao ponto em que ser brasileiro é ser grupo de risco nesta pandemia. E daí frutifica nossa discussão.
Imaginei como seria escrito o meu próprio obituário, sendo acometido pelo desenlace da vida… O que caberia? Quais os meus feitos? Qual minha contribuição para este mundo? Depois de tantos questionamentos, peço humildemente que não interrompa essa leitura e por favor, não me deixe falando sozinho! Ao contrário, permita-me ir além e serei compreendido por completo! Fosse a sua morte hoje, você fez ou viveu tudo o que gostaria? Sua vida é ou foi realmente significativa? Se arriscou? Experimentou? Se permitiu, ousou, amou o suficiente? Foi amado? Disse o que precisava ser dito? Ou deixou levar pelo correr das circunstâncias? É sobre isso. É sobre a vida e não a morte!
Ainda pequenos, aprendemos a colocar nossos sonhos em segundo plano. “Primeiro a obrigação, depois a diversão”, quem não ouviu isso? Fomos encaixados em padrões, normas, critérios e quanto mais o tempo passa, mais afastados da nossa valentia adolescente ficamos. Envelhecendo, vamos trocando a ordem das coisas, no lugar de questionar, calar. No lugar de arriscar, garantir e no lugar de permitir, controlar… Alguns chamariam isso de sabedoria, mas não seria uma fuga também? Evitar as discussões, mesmo que justas, nos poupam de julgamentos e de desgastes. Mas o preço é perder o brilho. Nada disso tem a ver com falta de educação, podemos e devemos marcar nossa posição respeitosamente, buscando o entendimento, mas claramente engolimos muito mais sapos do que o que seria recomendado numa dieta saudável.
Passamos a semana à espera do seu fim, passamos o ano, aguardando o feriado. E são tantos os protocolos! Pesados, demasiados, mas é isso que nos permite pagar as contas, não é? E se fosse diferente? Melhor ainda, e se fôssemos diferentes? Estamos há tanto tempo em lugares que não nos fazem felizes, reuniões intermináveis, cumprimentos forçados, respostas automáticas e sorrisos amarelos. Guardamos o melhor de nós, mas para usar quando? Com quem? Não sugiro romper com a vida que construímos e que é a possível. Ser adulto realmente nos força a cumprir algumas tarefas e boa parte delas não são deliberadamente leves ou descontraídas. Não dá para viver uma utopia constante, mas a vontade e a entrega podem fazer a diferença.
Fosse hoje o meu dia, meu obituário não me agradaria. Seria algo morno, polido e insosso. Não é um problema em si, não quero me tornar um transgressor ou alguém inconsequente, porém todos temos potencial (não me refiro a premiações internacionais), tanto que não me recordo do nome do ganhador do Oscar do ano passado, mas gostaria de aumentar a intensidade! Considere que todas as pessoas, ou pelo menos os adultos se obrigassem a compor seu próprio obituário uma vez por mês, ou no mínimo uma vez por ano… Teríamos a chance de refletir sobre quem temos sido e o que fizemos por nós e por aqueles a quem amamos.
Viver com entrega, ser gentil, cuidadoso com o outro. Não por convenção, mas por empatia! Nada desmedido. Estar presente e dedicar mais tempo para as pessoas ao nosso redor, quase nenhum tempo para os ressentimentos, menos ainda para redes sociais e nenhum, absolutamente nenhum minuto para o arrependimento! Estamos aqui e não sabemos até quando!
Finalmente, comunico a todos que morri. Sim, decidi isso ontem! Não fique triste, morri de causas naturais e sem sofrimento. Aliás, nem isso é verdade, não foi ontem. Já estava morto fazia tempo! Frequentei festas, eventos, fui educado e fui até divertido. Mas não arrisquei muito. Não virei a mesa quando pude, não provoquei o melhor das pessoas, não desafiei a sorte e me calei em diversos momentos em que fui confrontado. Fui generoso sim, mas podia ter sido bem melhor! Perdi muito tempo e procrastinei a vida. E quer saber? Não valeu a pena!
Se isso te faz pensar sobre a sua própria existência, perfeito! Alcancei meu objetivo! É desconcertante mesmo, aliás, minha expressão foi bem parecida com a que você está fazendo agora. Não sei quanto tempo ainda terei de vida, nem se irei mesmo morrer de causas naturais e francamente, não me preocupo se falta muito ou pouco tempo para isso. Espero apenas que seja o suficiente. Sabe aqueles projetos de final de ano? Milhares de planos que depois vamos criando desculpas e obstáculos para não concretizar. Eu não estou disposto mais! Vou fazer o que tiver de fazer, errar, falhar também, mas vou tentar! Experimentar novos jeitos de fazer as mesmas coisas e dedicar um novo olhar sobre a própria vida. Inspirar! Sem desespero, mas consciente de que a vida é mesmo breve! Meu obituário? Não se preocupe. Eu não vou ler mesmo! E pensando bem, ele não será mais uma preocupação. Pois de hoje em diante, terei vivido tudo o que pude. Viver é isso.
Imagem de destaque: Flickr / Cícero R. C. Omena