O território como eixo articulador de saberes, processos, intervenções e ampliação da cidadania

Lucas Barbi Costa e Santos*

O território, mais do que um espaço físico delimitado por critérios sanitários, administrativos e de planejamento urbano, comporta uma grande diversidade de usos e de relações humanas. Se, de um lado, ele expressa concretamente as formas como se organizam o trabalho, os meios pelos quais se produzem bens e serviços, e a divisão entre os grupos sociais, por outro ele comporta relações de identidade, pertencimento e solidariedade. O território não é algo fixo, está em constante mudança e reflete as relações humanas que nele ocorrem.

No processo de implementação de políticas de saúde no Brasil, especialmente em contextos periféricos que se encontravam marginalizados da participação social, a criação de programas de saúde articulados territorialmente, como a Estratégia Saúde da Família, evidencia que a expansão dos serviços públicos implica na construção da cidadania. Essa se dá a partir do estabelecimento de laços entre a população local e os trabalhadores de saúde, além do reconhecimento do lugar onde vivem. A cidadania representa a conscientização de direitos que são concretizados em serviços, mas que também são subjetivos, ao possibilitarem o surgimento de novos atores no espaço público. As políticas públicas são, no nível local, um espaço de articulação de redes sociais que promovem o reconhecimento do que é público na relação entre Estado e sociedade (MARTINS; BEZERRA; NASCIMENTO, 2009).

As ações de enfrentamento da dengue, zika e chikungunya no Brasil têm assumido um caráter verticalizado no que diz respeito ao planejamento, comunicação e execução. O Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) tem como ponto principal a necessidade de mobilização e participação da população, mas a sua execução no nível local reproduz um modelo de produção da saúde pouco participativo e centrado no controle vetorial. Nele, as comunidades são tratadas como um agente passivo,e as ações priorizam o conhecimento técnico dos profissionais de saúde e as tecnologias de intervenção, desconsiderando os demais saberes (BRASIL, 2002).

Em outra direção, o “Vamo Junto? Enfrentando a Dengue, Zika e Chikungunya” é uma proposta de vigilância em saúde de base territorial que inclui a população, a sua relação de pertencimento e o conhecimento local na elaboração de intervenções em saúde para refletir e propor ações no território. Por isso, uma das pesquisas a serem realizadas dentro do projeto é a análise de como o conceito de território é reapropriado e operacionalizado durante a formação, planejamento e atuação desses comitês populares. Para isso, será feita a análise do diagnóstico e do plano de ação dos comitês a partir do material elaborado por eles, que pode ser mapa falado, desenhos, fotografias, vídeos, textos, entre outros formatos. Além disso, serão realizadas entrevistas com os integrantes dos comitês populares sobre a relevância do território no desenvolvimento das ações da proposta, suas concepções sobre o território e a influência do território no surgimento dos problemas relacionados à dengue, zika e chikungunya.

A compreensão de como o território é concebido pelos participantes da proposta é essencial para entender se a estratégia de mobilização, formação e planejamento dos comitês consiste em uma intervenção em saúde baseada em um modelo cidadão e ampliado de promoção da saúde. Assim, trata-se de evidenciar se o conceito foi articulado na atuação desses grupos e quais são as possibilidades apresentadas pelos participantes no sentido de pensar novas formas de enfrentamento da dengue, zika e chikungunya.

Mais do que uma intervenção pontual, trata-se de produzir um modelo de intervenção de amplo alcance territorial e menos circunscrito aos períodos de proliferação do vetor. Uma intervenção que seja contínua e eficaz no controle da dengue, zika e chikungunya, considerando a sua dimensão sanitária e social multifacetada, desde o uso dos territórios até as iniquidades em saúde. Apoiado em metodologias de planejamento e de mobilização, esse modelo reconfigura o campo de práticas de intervenção no processo saúde-doença, acionando as redes locais nas ações do Estado tornando a saúde um espaço de participação e de exercício da cidadania.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Programa Nacional de Controle da Dengue. 1. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.

MARTINS, P. H.; BEZERRA, R.; NASCIMENTO, W. DO. A cidadania como solidariedade cívica na esfera pública: a luta pela estima. Avaliação em saúde na perspectiva do usuário: abordagem multicêntrica. 1. ed. Rio de Janeiro : Recife: CEPESC : IMS/UERJ : ABRASCO ; Editora Universitária UFPE, 2009. p. 159–170.

*Doutorando do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da Fiocruz Minas.

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.


Imagem de destaque: Mutirão de combate à dengue em Curitiba. 2016. Foto: Cesar Brustolin/ SMCS

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