O silenciamento das Infâncias

Aline R. Gomes¹
Mariana Borchio²
Coletivo Geral Infâncias

Outubro. Mês das Crianças, Semana das Crianças, presentes para as crianças, programação especial, com feriado e recesso escolar, celebrações diversas… No Brasil, outubro se tornou um mês muito aguardado pelas crianças, talvez mais do que o próprio Natal. Temos a impressão de que as crianças estão mais presentes nas ruas em outubro, inclusive em grandes cidades e centros urbanos.

Temos sempre que celebrar as crianças e as infâncias, não temos dúvidas disso. Entretanto, o que se percebe, na maior parte das vezes, é a reserva de assuntos e práticas ligadas à infância estritamente aos contornos do mês de outubro, respondendo aos interesses do mercado e do inerente consumo. Notem como tempos, espaços e estímulos lúdicos aparecem somente neste mês, inclusive na mídia, impressa ou digital, e no próprio contexto familiar.

A escola, que é central na vida das crianças e dos adolescentes, frequentemente também acompanha essa “onda” de outubro, se tornando mais lúdica, atrativa e alegre. Há festivais, festas, excursões, passeios e programações tão específicas e divertidas, como se as crianças estivessem ali efetivamente somente em outubro.

Às vésperas deste outubro começar, nós, do Coletivo Geral Infâncias, começamos uma série formativa para nossos integrantes com o tema “Infâncias, Violências e Violações”. Diante dos nossos incômodos frente ao cenário de retrocessos e retirada de direitos das crianças e dos adolescentes, decidimos nos encontrar para refletir sobre o tema, ao invés de nos juntarmos em festa.

Ao longo do ano de 2022, relatórios e dossiês, advindos de diversas organizações e movimentos, vêm apresentando estatísticas atualizadas sobre a precarização da vida infantil no contexto (pós) pandêmico brasileiro. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 75,5% dos casos de estupro no Brasil são de crianças e adolescentes de 0 à 14 anos. Segundo a Rede Pensann, 37,8% dos domicílios onde moram crianças menores de 10 anos há fome. Segundo SIVEP, de 01/01/2022 a 16/10/2022, houveram 1,2 mortes de crianças menores de 5 anos por covid, mortes preveníveis por vacina já liberada e não fornecida pelo Ministério da Saúde.

O primeiro encontro da nossa formação teve, portanto, o objetivo de levantar alguns referenciais, estimular trocas e percepções entre nós. O tema se mostra complexo, espinhoso e de difícil delineamento, especialmente pelo olhar das crianças, considerando a dificuldade de elencar materiais que incluam a participação das crianças. No segundo encontro, que será o próximo, buscaremos ouvir convidados (as) que possam nos apoiar no sentido de amparo para tornar esta escuta possível.

Percebemos que a pauta dos direitos vem sendo tão silenciada que até mesmo não apareceu em nossa cidade a divulgação sobre a realização das Conferências dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. Em outubro, isso mesmo, em outubro, mês das crianças, iniciou-se o processo das Conferências Livres e das Pré-Conferências, as regionalizadas, que devem envolver a participação infantil nas inúmeras comunidades e bairros da cidade. Que “silêncio” é este diante de um dos mais importantes processos de escuta e participação das crianças em nosso país?

Sobre as autoras
Aline R. Gomes é professora de Educação Física da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, Doutora em Educação e uma das fundadoras do Coletivo Geral Infâncias. E-mail: alineinfancia@gmail.com

Mariana Dias Duarte Borchio. Mestranda promestre FaE (em curso). Especialista em Educação pela PUCRS. Formação em Psicanálise pelo Instituto de Psicanálise e Saúde Mental. Graduada em Psicologia, Artes Plásticas e Pedagogia. Atua como Psicóloga Clínica e professora do Ensino Básico em BH. Integrante do Coletivo Geral Infâncias e outros coletivos que militam pelos direitos das crianças. E-mail: mariana.borchio@gmail.com


Imagem de destaque: Acervo pessoal do Coletivo Geral Infâncias

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