O presente e seu futuro de incertezas

Fernanda Quadros

Quem teria previsto que, em pleno século XXI, no Brasil, estaríamos vivenciando o fascismo? Acompanhado de uma crescente e vertiginosa onda de ódios de raça, religião, ideologias? Que estaríamos vendo o retrocesso dos direitos humanos, uma crescente violência urbana, estado de guerra permanente, saúde precária, educação esvaziada? O futuro, conforme Morin (2000), mais do que nunca, é incerto no nosso país.

Para a chegada do século XXI, vislumbrávamos um país próspero, no caminho do desenvolvimento, abandonando o seu rótulo de “subdesenvolvido”, de terceiro mundo. Entretanto, essa ilusão de progresso, neste século, foi posta à prova, pois a evolução, apesar de possível, não aconteceu, e está mais incerta devido à velocidade dos acontecimentos. Tudo hoje é efêmero, provisório, líquido. Logo, precisamos lembrar o que nos alerta Morin (2000): nas certezas doutrinárias e intolerantes encontramos as piores ilusões, são elas que conduzem os homens às guerras, ao ódio e aos grandes massacres. Não os levam ao caminho da evolução.

No Brasil, temos um Estado que deveria ser o promotor de boas transformações, porém tem tomado medidas em nome do Capital, numa política de “Estado mínimo”, que vem nos tirando direitos já conquistados. Na área educacional, por exemplo, vimos serem implantadas políticas educativas que, em longo prazo, esvaziarão a escola e tirarão dos jovens o poder do conhecimento que permite a formação de seu capital intelectual, tendo como consequência a perda da capacidade de construção do seu pensamento crítico.  Diante desse quadro, resta-nos refletir sobre nossas incertezas para, então, superar a insegurança e combater a desordem.

Em nossa sociedade predomina o discurso de que é preciso ser livre ideologicamente, o tal mito da neutralidade, porquanto para os seus defensores o estímulo ao pensamento crítico (FREIRE, 1987) perturba a ordem. Contudo, o professor Rajagopalan (2003) já alertava que “a famigerada noção da ‘neutralidade’ do cientista nada mais é do que uma herança do positivismo que imperou na época em que a linguística se consolidava enquanto disciplina autônoma”. Dito isto, afirmamos, mais uma vez, que não há neutralidade, porque somos seres políticos vivendo em sociedade e quaisquer que sejam nossas escolhas estarão permeadas por nossas crenças e ideologias. Assim, evocamos Freire (1987, p. 12) para lembrar de que “não é a conscientização que leva o povo a fanatismos destrutivos, pelo contrário, a conscientização é que possibilita a inserção do homem no processo histórico e evita fanatismos o inscrevendo na busca da sua afirmação” e para compreendermos as iniquidades que nos cercam “precisamos ir além da visão que postula que a política é domínio dos estados-nações ou dos líderes políticos” (PENNYCOOK, 1998, p. 21). Necessitamos nos enxergar como parte de um todo, “dentro de um conjunto de relações de poder que são globais em sua essência” (PENNYCOOK, 1998, p. 21). Precisamos evoluir.

Acreditamos, assim como Morin (2000), que toda evolução desorganiza o sistema, reorganizando-o em seu processo de transformação. Já que a única certeza que temos é que tudo é incerto e essa desordem que é comum faz parte da vida, precisamos entender, também, que a ordem e a desordem são provisórias. Organizamos, estabelecemos uma ordem para que, em seguida, com os acontecimentos, novas ordens sejam estabelecidas, a fim de avançarmos em direção ao progresso. É, portanto, a aquisição do conhecimento que nos leva por mares incertos a lugares certos, visto que “[…] o conhecimento é a navegação em um oceano de incertezas, entre arquipélagos de certezas” (MORIN, 2000, p.86).

A vida é uma aventura incerta, um espaço sem definição, um livro aberto. Dessa maneira, é preciso proporcionar ao homem o acesso ao conhecimento, a consciência sobre o caráter incerto dos seus atos, no intuito de que ele possa ter consciência das incertezas da vida e, assim, possa agir enfrentando a sua imprevisibilidade. O homem precisa desenvolver a competência de responder às incertezas da vida com ações dotadas de estratégias capazes de examinar as certezas e as incertezas dessas situações, suas probabilidades e improbabilidades, transformando-se, esperando o inesperado e trabalhando pelo improvável. Só assim poderá modificar a sua vida e a de todos que estão ao seu redor.

Para saber mais
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. 2. ed. São Paulo: Cortez, Brasília, 2000.

PENNYCOOK, Alastair. A linguística aplicada dos anos 90: Em defesa de uma abordagem crítica. In: SIGNORINI, I.; CAVALCANTI, M. Linguística Aplicada e transdisciplinaridade. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998, p.23-49.

RAJAGOPALAN, Kanivilil. Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo: Parábola, 2003.


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