O Fetiche dos Usos de Tecnologias Digitais na Educação de Jovens e Adultos em Tempos de Pandemia

Pedro Batela Neto1

No contexto da Pandemia do Novo Coronavírus, as Tecnologias Digitais (TD) tornaram-se ferramentas importantes para mitigar os impactos políticos, econômicos e sociais provocados pela adoção das medidas de distanciamento social, passando a ocupar um lugar de destaque nas atividades governamentais, empresariais e, inclusive, em algumas práticas cotidianas e escolares. 

No campo educacional, as TD transformaram-se na pedra de toque dos formuladores do Ensino Remoto Emergencial (ERE), uma vez que seus usos podem conectar os sujeitos, possibilitando a comunicação e a interação entre seus pares, através da troca de mensagens de texto, áudio e imagem, via aplicativos, ou mesmo por meio de redes sociais, de forma síncrona e assíncrona, viabilizando, a priori, a continuidade das aulas e o desenvolvimento de diferentes atividades pedagógicas em ambientes virtuais. Mas ao reservarem às TD e seus usos o papel de destaque na resolução dos problemas sociais/educacionais, os sujeitos, principais atores envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem, são secundarizados e reificados pelo fetiche que aliena-os desses mesmos processos.

O caráter místico e religioso desse modelo educacional, como diria Marx, revela-se no fato de que cerca de 28% das residências do país não têm acesso à internet, ou seja, aproximadamente 47 milhões de pessoas, 1 em cada 4 brasileiros, vive off-line e outros milhares navegam de forma restrita, na órbita do  universo digital, segundo o levantamento realizado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. 

E quando os números referem-se especificamente aos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), a situação torna-se ainda mais preocupante. Ao cruzar diferentes dados da pesquisa supracitada sobre a cor, as condições socioeconômicas da população, e suas relações com a posse e os usos de TD com estudos que investigam quem são os educandos dessa modalidade, constatei que as desigualdades impostas a esses sujeitos negros e provenientes das camadas populares no mundo real são reproduzidas e aprofundadas no mundo virtual, deixando-os à margem da Revolução Informacional.

Como reflexo dessa dupla exclusão, muitos educandos tiveram suas trajetórias escolares interrompidas e outros milhares vêm participando das aulas remotas de forma precária, ou seja, por meio de TD obsoletas e compartilhadas com amigos e/ou familiares, com planos de internet móvel/avulso o que certamente limita e, em muitos casos, impossibilita a participação nas atividades. Destaco que, somente na Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais, 42% dos sujeitos matriculados, aproximadamente 700 mil educandos e educandas, entre eles um contingente elevado de sujeitos da EJA, encontram-se fora da Web e, consequentemente, do ERE.

Esse cenário denota que as propostas e ações desenvolvidas pelos poderes públicos mostraram-se inadequadas, insuficientes e ineficientes para assegurar a continuidade da escolarização dos educandos, ocasionando o real esvaziamento da EJA, expresso no encerramento de matrículas, no fechamento de turmas e de escolas que ofertam essa modalidade.

Portanto, para a garantia do direito à educação em tempos de pandemia, é premente democratizar o acesso às TD e a internet de qualidade, mas, ao mesmo tempo, desmistificar os seus usos nos processos de ensino e aprendizagem, proporcionando, assim, uma das premissas básicas para a sua efetivação. Nesse sentido, é preciso ir além, estabelecer novas conexões e (re) conhecer o cotidiano, as condições materiais de existência e as visões de mundo dos educandos, para que a comunidade escolar busque construir práxis pedagógicas que promovam situações educacionais em que os sujeitos possam experienciar atividades de sua existência, a partir de um coletivo diverso, como sujeitos que constituam-se em comunhão, objetivando a permanência de todos e todas na escola educando-se, mesmo que, paradoxalmente, temporariamente fora dela.

 

1Educador na EJA na Rede Municipal de Educação de Contagem e Mestre em Educação de Jovens e Adultos pelo Promestre/FaE/UFMG.

 

Para saber mais:

Comitê Gestor da Internet no Brasil. TIC Domicílios: Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros. São Paulo, 2020.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: O processo de produção do capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 2, 1998.

MENEZES, B. Em Minas Gerais, 700 mil alunos devem ficar sem acessar as aulas remotas. O Tempo. 20 de abril de 2020.

SOARES, L.; GIOVANETTI, M. A.; GOMES, N. L. (Orgs.). Diálogos na Educação de Jovens e Adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.


Imagem de destaque: slightly_different / Pixabay  

 

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