Editorial da edição 311 do Jornal Pensar a Educação em Pauta
Vivemos tempos difíceis e sombrios. Qual gafanhotos, a nuvem avassaladora da morte espraia-se sobre o Brasil, trazendo com ela a dor, a angústia, a incerteza, o medo e uma montanha de mortos.
O cortejo da morte é amplo e diversificado, e dele participam empresários bem e mal sucedidos, banqueiros ávidos pelo lucro fácil e desonesto, pastores mal intencionados, políticos mesquinhos e vendidos, famílias inteiras de bem. A celebração macabra avança entre nós e os algozes da esperança se alegram pelos que tombam pelo caminho.
Faltam remédios, leitos, profissionais, cuidadores e cuidadores, e os arautos dos deuses da morte e suas camarilhas no Congresso, articulam a retirada de recursos da saúde e da assistência. Diante da montanha de mortos e da disseminação da doença entre as pessoas mais jovens, homens e mulheres de bem defendem urgência das escolas abrirem, e parecem ter pressa em expor seus próprios filhos e filhas ao adoecimento.
O caos se instalou no país e, com a conivência ativa e passiva de amplos setores sociais, as autoridades da República continuam a dar espetáculo de dantesco desprezo pela vida e pela verdade. Já nos acostumamos a esperar, a cada momento, as mensagens de ódio, de rancor e ressentimentos que embalam os seus negacionismos, as suas mentiras e as suas justificativas indulgentes com a própria incompetência.
O ar puro da verdade e da justiça está se tornando escasso, e o cheiro podre da morte parece tomar conta de nossos corpos e de nosso espírito. O desânimo nos abate e a alegria ameaça nos abandonar. Vivemos tempos sombrios e difíceis.
Vibrante nos tambores ancestrais que insistem tocar, pulsante nos corpos que insistem em dançar, presente nas palavras que insistem em cuidar, cultivada no silêncio que insiste em cantar… Felizmente a vida continua a nos atravessar. A criatividade e o trabalho transformam o luto em memória, a tristeza em canção, a dor em indignação.
O cortejo da vida reúne “os de sempre” e avança. Essas pessoas portam estandartes com centenas de milhares de nomes, portam flores, portam dores, portam memórias, portam vidas, portam amanhãs. Não podemos esquecer, jamais, que lá onde tombaram milhares, outras centenas de milhares, outros milhões, foram cuidados, estão sendo cuidados, estão se cuidando, a despeito da incompetência e das políticas genocidas. Sob a nuvem estampada da morte, uma multidão trabalha por todo o país para que possamos respirar, para que possamos viver, para que possamos sonhar.
Há trabalho, há arte, há empenho para que atravessemos este momento, e é preciso termos esperança engajada de que somos capazes de resistir e avançar. Hoje, mais do que nunca, é preciso celebrar a vida e fazer justiça aos mortos. A beleza da vida é que ela nunca está acabada, e sempre pode ser inventada, ainda que em circunstâncias pouco propícias como as de hoje.
É preciso avançar com o cortejo da vida e, coletivamente, descortinar outros futuros possíveis. A tristeza e a desesperança somente aumentam as chances de vitória dos portadores da morte. Hoje, mais do que nunca, é preciso que sejamos portadores e inventores de amanhãs mais generosos e alegres.
Imagem de destaque: José Cruz/Agência Brasil