O drama que permeia o retorno às aulas presenciais na pandemia: a comunidade escolar deve retornar neste momento?

Estela Costa Tiburcio¹

Entre liberações, embargos da justiça, elaboração de protocolos e acordos inacabados, diferentes níveis da educação se mantém há meses em uma batalha que envolve o retorno minimamente seguro de professores e estudantes às salas de aula. Dada a complexa adaptação ao ensino remoto ao longo do ano de 2020, crianças e jovens que antes se viam sem respaldo tecnológico, financeiro e até mesmo alimentício, agora se encontram na ‘incerteza’ da volta às aulas presenciais com o segmento aos protocolos sanitários de segurança ao passo que barra o alto índice de propagação das variantes do novo coronavírus. 

No que tange o impacto da pandemia à vida escolar no Brasil, é possível enxergar, entre muitas, duas vias principais passíveis de discussão: a desigualdade tecnológica aliada a uma tática de homeschooling forçado. Diante do aumento brusco dos níveis de pobreza no país, ambos temas estão mais expostos ao cotidiano, dados que antes da pandemia já apontavam para crianças que realizavam suas refeições diárias no ambiente escolar, agora também expõem o difícil acesso ao auxílio emergencial, a falta de material didático para alfabetização/aprofundamento e, principalmente, a ausência de internet e aparelhos eletrônicos na maioria das casas brasileiras, inviabilizando assim, o acompanhamento das aulas e atividades em sistema remoto de ensino. 

Desse modo, é inviável pensar em táticas bem sucedidas de ensino domiciliar enquanto não há suporte governamental, além de preparo e disponibilidade das famílias para lidar com essa tarefa, sem deixar de lado, é claro, a fragilidade psicológica que o momento nos impõe e que, portanto, afetam a tão exigida produtividade ao longo do ensino remoto. 

Por outro lado, receber os estudantes novamente nas escolas não parece uma opção correta. Embora a vacinação tenha avançado com dificuldade entre docentes e demais servidores da educação em cidades do Brasil, a expectativa de imunização de crianças e jovens segue tímida, tanto pelo cronograma do Ministério da Saúde que prescreve faixa etária decrescente para receber a primeira dose do imunizante, quanto pelos diversos atrasos do Governo Federal na aquisição de vacinas para a população. 

Nesse estágio, é interessante perceber que o sucateamento da educação, algo ainda mais latente nos últimos anos, desestabiliza esse retorno, ainda que precoce, aos espaços de ensino. Não foram poucas as vezes em que se viu nos veículos de comunicação a deterioração de escolas, salas de aula superlotadas, estudantes expostos à falta de alimentação por conta de desvios de verba, ausência de água, energia e itens básicos de higiene. Sendo todos estes em linhas mais simples, aporte necessário para a digna ocupação do ambiente, escolas que estão sob responsabilidade dos estados e municípios, em sua grande parte ainda aguardam a vacinação e a garantia dos cuidados. 

Na contramão, a rede privada de ensino vem retornando rapidamente suas atividades em formato híbrido ou totalmente presencial conforme ocorrem quedas esporádicas nos índices de transmissão do vírus.

A efervescência do tema de retorno às aulas presenciais ocorre desde outubro de 2020, apoiado pela Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG) e repudiado pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) tem gerado rápidos desdobramentos nas últimas semanas no campo judicial. Com ao menos quatro pareceres dados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais entre permissões e impedimentos ocorridos de maio a junho deste ano, em decisão tomada no último dia 10, a justiça liberou o retorno dos estudantes às escolas estaduais em regiões que se encontram na onda verde ou amarela do programa Minas Consciente. Tal iniciativa gerou indignação da categoria vulnerável ao retorno, mas segue em vigor. 

Em declaração recente nas redes sociais, a coordenadora-geral do Sind-UTE/MG, professora Denise Romano, relatou que o estado faz vista grossa ao elevado número de óbitos diários e também ao alto índice de contágio do Sars-Cov-2 e suas variantes, expondo assim toda a comunidade escolar e pessoas próximas, afinal, o ato de ir à escola exige a movimentação diária de diferentes atuantes. “No dia 27 de maio já havia formado maioria dos votos para manter a segurança, inexplicavelmente houve a alteração […] nós somos 200 mil trabalhadores atendendo a 1,5 milhão de estudantes sem contar as redes municipais, a repercussão desta decisão para a saúde pública, para a ocupação de leitos, será medida e denunciada para garantir a vida.” afirma.

No dia 16 de junho, a cidade de Betim, região metropolitana de Belo Horizonte, foi a pioneira na vacinação de estudantes de 12 a 14 anos. Com medida que contraria o Plano Nacional de Imunização, mas que está respaldada pela autonomia do município, o projeto tem a perspectiva de trazer mais segurança àqueles que retornarão às salas de aula em agosto, conforme previsto pela prefeitura municipal. Todavia, ao observar o bem-estar necessário para a aprendizagem, entende-se que medidas que não são tomadas em larga escala para um retorno seguro têm poucas chances de vigorar a longo prazo caso a vacinação do público geral também não avance. 

Sobre a tal incerteza de voltar às aulas presenciais frisada no início do texto, basta um olhar que mescle realidade e cuidado para confirmar que o retorno seguro aos espaços de ensino, com a devida aprendizagem e interação social necessita da imunização em massa da população e manutenção dos cuidados básicos como o uso de máscara, lavagem das mãos e distanciamento social. Sendo assim, caso ainda restem dúvidas, a resposta cabível é não, o sistema público de ensino não pode e nem deve pagar a conta por atitudes irresponsáveis das esferas que administram o país e, pasmem, dizem abertamente respeitar a educação.

 

1 – Membro da equipe do Pensar a Educação, Pensar o Brasil (1822-2022). Cursa Letras, na Universidade Federal de Minas Gerais.

 

Nota: homeschooling é um termo em inglês que denomina a escolarização caseira por familiares ou responsáveis.

 


Imagem: Pixnio

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