Edilson da Silva Cruz
Ao fechar nossas escolas para atendimento presencial, em março de 2020, em decorrência da pandemia de COVID-19, nenhum de nós imaginaria que, um ano depois, seguiríamos vulneráveis ao coronavírus, com recorde de mortes e casos. Não imaginávamos que, dentre os efeitos sociais mais visíveis da atual crise sanitária, veríamos o retorno aos debates cotidianos de duas problemáticas que representam os pilares da educação obrigatória no mundo ocidental: o acesso e a permanência. Na cidade de São Paulo e seu sistema municipal de educação, não foi diferente. Garantir uma vaga na escola e permanecer nela os nove anos do ensino fundamental voltou a ser um problema que exige atenção do poder público e da sociedade.
O acesso diz respeito ao direito dos cidadãos em ter uma matrícula garantida em escola de ensino fundamental, conforme a LDB (Lei 9.394/96, art. 5º). Até menos de duas décadas atrás, era comum que, no começo ou final do ano letivo, mães e pais acampassem em filas na frente das escolas, a fim de garantir uma vaga para seus filhos. Com a informatização, centralização dos processos e a evolução da demanda, essa situação, ao menos na cidade de São Paulo, praticamente desapareceu. Nos últimos anos, o que persiste é a fila para ingressos na educação infantil, nas antigas “creches” (Centros de Educação Infantil). No entanto, em relação ao ensino fundamental, isso não era mais um problema.
Mas a pandemia alterou novamente esse cenário. Neste primeiro semestre de 2021, por exemplo, as escolas públicas de ensino fundamental da cidade tentam lidar com um aumento na demanda por vagas, provavelmente fruto do êxodo de estudantes das escolas particulares, por causa do agravamento da crise econômica das famílias. Há, novamente, uma demora excessiva para se conseguir uma matrícula no ensino fundamental, algo que não se via há décadas.
O súbito aumento de demanda este ano, portanto, impacta as redes de ensino, municipal e estadual, fazendo com que o modelo de garantia de vagas entre em crise. Nos últimos anos, a relativa acomodação da demanda fez com que se diminuísse a quantidade de turmas/salas abertas no ensino fundamental, o que precisará ser revisto. Podemos afirmar, portanto, que um dos efeitos da pandemia sobre a educação na cidade de São Paulo é o retorno de problemas de acesso dos estudantes à escola de ensino fundamental.
O mesmo podemos dizer sobre a permanência, ou seja, a necessidade de garantir que o aluno esteja devidamente matriculado, frequente e participe das atividades da escola, para que possa desfrutar do que ela lhe proporciona: ensino e aprendizagem. A permanência depende de fatores escolares (boa infraestrutura, material escolar, uniforme, alimentação, transporte etc.) e extraescolares (condições sociais favoráveis por parte das famílias, renda, alimentação, emprego, acesso aà tecnologia etc.).
Ao analisar as duas últimas décadas da educação municipal, vemos que a Rede foi avançando aos poucos nas políticas de permanência. Desde a gestão de Paulo Freire como Secretário, em que o assunto foi colocado como prioridade, passando pelo leve-leite, política malufista ainda da década de 90, garantia de transporte, material e merenda (gestão Marta Suplicy), além de acesso a livros didáticos e paradidáticos, ampliação do tempo de atividades escolares (últimas gestões): tudo isso contribuiu para favorecer a permanência de grande contingente de alunos nas escolas municipais, em que pesem os reveses de costume. Além disso, programas sociais mais abrangentes, como o Bolsa Família, ao atrelar o benefício à frequência escolar, também contribuem para manter a frequência dos estudantes na escola.
No entanto, com o início da pandemia, as escolas fecharam para aulas presenciais, iniciaram-se práticas de ensino remoto e o problema da permanência se acentuou. De fato, num contexto de aulas remotas, as políticas referentes à merenda, transporte escolar e uniforme deixam, provisoriamente, de impactar na frequência dos alunos. Afinal, não é mais necessário cobrar a frequência física à escola. Porém, o ensino remoto ainda depende do acesso dos estudantes aos instrumentos necessários para aproveitá-lo: material escolar, internet de qualidade, equipamentos eletrônicos etc. A baixa participação dos estudantes nas atividades remotas aponta que, entre outras coisas, faltam-lhes esses instrumentos que lhes permitam aproveitar minimamente o ensino oferecido em tempos de pandemia.
Junto a isso, o desemprego, que já era um problema, se aprofunda no país e na cidade. O auxílio emergencial que, mesmo de valor baixo, ajudou a equilibrar minimamente o consumo das famílias mais pobres, é retirado, diminuído consideravelmente e as famílias são novamente jogadas à própria sorte, tendo que conviver com diversas precariedades. Pensar que famílias neste estado tenham condições de acompanhar o ensino remoto para seus filhos é um absurdo.
Assim, o tema da permanência volta à tona no contexto da pandemia e impacta também a rede municipal de ensino. A entrega de cartões de merenda e a chegada de tablets nas escolas são políticas que dialogam com o momento, embora, infelizmente, sua colocação em prática ainda enfrente a lentidão, incompetência e escolhas políticas questionáveis da gestão municipal em lidar com o momento de emergência que vivemos.
Percebe-se, portanto, que assuntos relativos ao acesso e permanência na escola, há muitos anos superados como principais problemas educativos na cidade de São Paulo, vêm à tona novamente. Há, portanto, um retrocesso que nos obriga a reposicionar nossas discussões em torno da qualidade do ensino fundamental na cidade de São Paulo e nos manter vigilantes para que as propostas e soluções possíveis não encaminhem nossos sistemas públicos de ensino para mais crise e precariedade.
1Doutorando em Educação pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (2016). Diretor de Escola na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Graduado e Licenciado em Letras (Português e Espanhol), pela FFLCH/USP (2010).
Imagem de destaque: Prefeitura de Itapevi