Pobres pedagogos, como bacalhaus de porta de venda (Brasil- Paraná)

 Iriana Vezzani¹

O Giro do Bicentenário pelo Paraná traz para nossos leitores e leitoras alguns debates educacionais difundidos na imprensa paranaense, no final do século XIX.

A charge que dá título a este artigo guarda relações próximas com os eventos ocorridos nos Brasil. O texto imagético parece muito contemporâneo, poderíamos até afirmar que retrata o descaso com o qual estão sendo tratados, atualmente, a educação, os/as professores/as e pesquisadores/as. O que se vê representado são escolas públicas fechadas a cadeados e as cinco figuras, representando os/as docentes destas escolas, com pés descalços, vestes maltrapilhas, cartolas surradas, denotam que já tiveram algum prestígio. Chamados de “pobres pedagogos”, seriam obrigados a percorrer a “rua da fome” e mendigar diante das escolas fechadas. Não tendo o que comer, teriam que se alimentar dos abecedários e livros didáticos que haviam pertencido aos seus alunos, correndo o risco de se transformarem em “bacalhaus de porta de venda” (FIGUERAS, Galeria Illustrada, dez. 1888, p. 23).

Trata-se, no entanto, de uma charge publicada, em janeiro de 1889, na revista Galeria Illustrada, apenas um fragmento dos debates que reverberaram na imprensa paranaense como consequência da interrupção da oferta de instrução pública. Uma resposta visual à instituição da Lei n° 917, de 31 de agosto de 1888, na qual o então Presidente da Província do Paraná, Dr. Balbino da Cunha (1833–1905) decretou o fechamento de 168 escolas, foi tratada também, pela imprensa, como “Lei Balbino”, ou “Lei do Bota Abaixo”, ou ainda “Lei da Reforma Disforme”, que impactou diretamente na instrução pública, com a justificativa de que suprimir as escolas seria uma solução para os problemas financeiros do Paraná. Sim, as escolas públicas foram entendidas à época como sendo “despesas improdutivas”. Dentre várias considerações sobre a necessidade da reorganização do ensino público, uma das soluções apontada pelo Presidente foi restringir a quantidade de escolas públicas, muitas das quais considerava “inúteis”. 

A imprensa em circulação, na província do final do século XIX, na expectativa de exercer alguma influência sobre a opinião pública e pressionar o sistema político que sancionou a Lei nº 917, promoveu um imbricado e caloroso debate, dele tomando parte não só de maneira crítica, reativa, mas também ativa. No intuito de mobilizar e também formar a opinião pública, os jornais e revistas lançaram mão de recursos que incluíram a veiculação de charges, de apelo popular, bem como o uso de uma retórica enfática e eloquente. 

Às vésperas da execução da lei, o jornal curitibano A Idea, órgão do clube dos estudantes, sob o título de “Instrução popular” publicou um artigo alertando, de forma dramática, para as terríveis consequências de tal ato, que levaria a sociedade à criminalidade e à imoralidade, deixando sem instrução três mil crianças: “3.000 cérebros escuros, 3.000 ignorantes para o futuro, grande número de criminosos para encherem as cadeias, por que a ignorância é a origem do vício, 1.500 mulheres, talvez, impossibilitadas de serem boas mães! Oh! Que crime hediondo! (INSTRUÇÃO POPULAR, A Idea, 16 jan. 1889, p. 01).

A mobilização fomentada pela imprensa teve resultados no contexto educacional paranaense, pressionando a adoção de medidas que tiveram por objetivo sanar as deficiências criadas com a criação de escolas e contratação de professores. Tais providências, tomadas nos últimos momentos da monarquia, também suscitaram debates, os quais se estenderam até os primeiros momentos da recém instaurada república, revelando um clima exaltado e entusiasmado com mudanças que tinham a educação como um dos itens da pauta. Por vezes, o tom utilizado era eloquente e apaixonado, visando amealhar simpatizantes para a defesa da causa educacional.

Refletindo as inquietações locais e sua relevância nas dinâmicas sociais, os jornais e revistas se configuraram como veículos em que a população, representada por colaboradores engajados em causas como a da educação, teve a oportunidade de ver seus discursos ampliados, seus julgamentos divulgados e suas opiniões disseminadas. Trazendo ao debate problemas, mas também propondo soluções, a imprensa dava visibilidade a movimentos sociais que visavam a transformação da realidade social local ou lutavam para que algumas conquistas não fossem perdidas em função de desmandos governamentais.

Cabe lembrar que estes desmandos governamentais, no Brasil e no Paraná, ainda guardam muitas semelhanças com a charge selecionada. Para nunca esquecer, para nunca mais acontecer, cabe lembrar que que o dia 29 de abril de 2015 “não terminou” para os/as professores/as do Paraná, quando cerca de 1.661 mil soldados da Polícia Militar do Estado dispararam 2.323 balas de borracha e 1.413 bombas de efeito moral contra docentes e servidores públicos, que protestavam contra mais um dos desmandos do governo.  Duzentos “pobres pedagogos”, professores que ficaram feridos! Ninguém foi responsabilizado! 

 

1Professora da Universidade Estadual do Paraná – Membro do Grupo de Pesquisa História, Intelectuais e Educação – GPHIE/UFPR.

Descrição da Imagem: E de deixarem estas cenas como consequência total dos seus desvarios! Os pobres pedagogos percorrerão a “rua da fome”, devorando os livros e demais misteres dos seus ex-alunos para não se metamorfosearem em bacalhaus de porta de venda (Galeria Illustrada, 1889).


Imagem de destaque: FIGUEIRA, Narciso. Revista Galeria Illustrada. Jan. 1889, p. 23. Biblioteca Nacional.

 

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