O concurso da UEMG e a desconstrução da universidade pública
A realização do concurso para a Universidade do Estado de Minas Gerais -UEMG, está se transformando, uma vez mais, numa batalha jurídica entre os candidatos e a empresa contratada para realizá-lo. Isso porque não estão sendo consideradas as especificidades acadêmicas que tal concurso requer.
Para que o leitor não familiarizado com a questão possa entender o caso, vai aqui uma recapitulação: 1) Em 2007 a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou um projeto de lei enviado pelo então Governador, Aécio Neves, efetivando quase cem mil funcionários públicos do Estado, em sua maior parte, trabalhadores da área da educação; 2) Em 2014, atendendo a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal considerou que a lei feria a Constituição Federal e, entre outras coisas, determinou a realização de concursos para o preenchimento das vagas ocupadas pelos servidores efetivados, no limite de um ano, a contar da decisão. 3) Em 2015, em atendimento a uma solicitação do atual Governador, Fernando Pimentel, o Supremo autorizou a permanência desses profissionais em seus cargos até o final deste ano.
A decisão do Supremo impactou de forma muito direta e incisiva as duas universidades estaduais mineiras, a de Montes Claros – UNIMONTES, e a UEMG, já que a maior parte do corpo docente dessas instituições havia sido efetivada pela Lei de 2007. Após a decisão, a UNIMONTES tomou a iniciativa de realizar os concursos para o preenchimento das vagas, o que já foi, de um modo geral, feito.
No caso da UEMG, no entanto, o processo foi outro. Numa demonstração de fragilidade institucional, o governo mineiro, em comum acordo com a Reitoria da Universidade, optou por contratar uma empresa para realizar o concurso sob a justificativa de que não haveria condições da própria UEMG fazê-lo.
Depois de muita disputa política e jurídica entre os docentes e o Governo do Estado, sobre a pertinência ou não da realização do concurso, o edital foi publicado e as inscrições realizadas. Os docentes, além de questionarem a falta de autonomia da Universidade para realizar o próprio concurso, também reivindicam, até o presente momento, a transformação dos processos seletivos aos quais se submeteram, em concurso público para a carreira docente.
A empresa responsável pelo concurso iniciou, então, o processo de composição das bancas examinadoras e o fez por meio da contratação de professores do ensino superior de vários lugares do Brasil, não incluindo, no entanto, praticamente nenhum dos docentes da própria UEMG, sugeridos pelas comissões de acompanhamento interno do concurso. Quando foi publicada a relação das bancas examinadoras, nas diversas modalidades, houve várias ações de pedido de impugnação das mesmas, sob diferentes justificativas: professores sem formação acadêmica suficiente para julgar a competência dos candidatos, falta de experiência e conhecimento de membros das bancas na área em que iriam julgar, entre muitas outras.
Recentemente, já considerados os recursos impetrados pelos candidatos, a empresa publicou, então, nova relação das bancas examinadoras. Qual não foi a surpresa de muitos candidatos ao observarem que os problemas, anteriormente apontados, ainda persistiam ou se agravaram. Segundo eles, em muitos casos, há bancas em que faltam especialistas das matérias a serem avaliadas, além de ser visível que um mesmo nome de examinador aparece em bancas que tratam de assuntos absolutamente distintos.
A situação da Universidade fica ainda mais preocupante porque o prazo dado pelo Supremo, para a realização do concurso, está se esgotando e, a julgar pelo ritmo do processo, essa história parece estar longe de ter um desfecho rápido e tranquilo. E mais, para os docentes que se inscreveram no concurso e anseiam pela sua realização o quanto antes, não há como manter uma boa saúde física e emocional num clima de insegurança e indefinições como esse.
Para todos nós que pensávamos que a realização desse concurso público poderia se transformar num momento especial de fortalecimento da UEMG, após longos anos de penúria e ações político-eleitorais que afetaram o seu funcionamento, o que estamos assistindo agora é o comprometimento do futuro da Universidade, e isso com a ativa participação de variados atores, entre os quais não se pode deixar de mencionar a própria direção da instituição, a Secretaria de Planejamento, o governo do Estado e a empresa responsável pela realização do concurso e, porque não, os examinadores que aceitaram participar de bancas para as quais não têm especialização.
O que está em jogo é, acima de tudo, a autonomia da própria UEMG, que não pode, ela mesma, como acontece em todo o país, conduzir ou participar efetivamente desse processo, além da legitimidade acadêmica e, mesmo, jurídica do concurso. Mas, acreditamos que ainda há tempo para que os sujeitos e os setores responsáveis se mobilizem, sob o risco de a realização mesma do concurso significar mais um capítulo de agonia da instituição, e não o seu fortalecimento, justamente num momento em que a Universidade se encontra em franco processo de expansão em Minas Gerais, como uma instituição de ensino superior público e gratuito.