Uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta tanto chorou que secou.
Animais carbonizados. Os que conseguiram sobreviver, assustados com olhar atônito, não sabem para onde correr. Não entendem o que está acontecendo. Imagino que se perguntam: fizemos algo para merecer a dizimação?
Árvores esturricadas, rios desidratados. As nuvens ouviram os gemidos agonizantes da Terra. Fizeram luto. Choraram água com fuligem escura.
A jaguatirica com as patas feridas, não consegue correr. Tal cena lembra nossa incompetência como mordomos da criação. Seremos demitidos pelo Criador?
A notícia nos chega como um espelho que reflete o lado sombrio e demente da humanidade. Silenciamos. Inconsoláveis e imponentes, ficamos paralisados, sabendo que, depois do estrago feito, pouco adiantará carta-aberta, nota de repúdio, culpar alguém. E agora, José?
Quem lançou a primeira centelha de fogo? É alguém, um sistema, um projeto de governo ou tudo isso e nós? A destruição insistente daquilo que ainda resta dos biomas brasileiros têm a coautoria de eleitores, do legislativo, do judiciário e do executivo. A proteção do patrimônio ambiental brasileiro deveria ser um imperativo do Estado Brasileiro, acima dos governos que se alternam, pois não pode corresponder à lógica imediatista da economia e da política.
A destruição da vida onde ela pulsava exuberante tem várias assinaturas. O DNA é do sistema que tem ânsia de expansão, de bater recordes de PIB, de safra, de minério e de rebanho. Sempre mais e mais, sem o tempo natural de restauração. Nossa estética é de tratores, motosserras, escavadeiras, dragas. Esses equipamentos falam da nossa linguagem e disposição. Destruímos aquilo que nos dá a vida e sustento: a água, as árvores e a possibilidade de continuarmos existindo. Ignorantes somos nós!
A centelha está em nossas demandas de consumo, em nossa avidez de comer e consumir muito além que precisamos. Puro capricho de desejos fúteis. Autorizamos, como mercado, a expansão. Podemos, de igual modo, desautorizar com nossos hábitos, valores e estilo de vida. Hoje, comprar, comer, vestir, viver são atos políticos.
A vida prevalecerá, pois é inerente à natureza, contudo, estamos tensionando para além do limite de recuperação. Na paisagem da terra arrasada, seguiremos nossa rotina? Que os artistas desenhem, cantem, façam poemas e pintem esse momento, talvez a única forma de redimirmos com o universo e de deixar o registro desta desgraça – a falta de graça de nossa história. Sem tempo para o luto, precisaremos de uma grande aliança em defesa daquilo que nos resta. Chega de brincar com fogo.
Imagem de destaque: Incêndios no Mato Grosso. Foto: Mayke Toscano/Secom-MT.
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