O barulho do silêncio – agudos ocasionais

Ivane Laurete Perotti

Em letárgica densidade tombou a nota. Oriunda das massas em movimento, rolara degraus em pena. Peso. À moda de sela túrcica comprometida. Atrofiada. Desguarnecida. No piso do caos, entre ossos caminhantes e hipófises sem governo, a nota desfalecia. Nada se compara a esse acontecimento. Nada. 

Nascida das sonoridades melódicas e devidamente alfabéticas, não era mais um /dó/, um /ré/. Jamais um /sol/, devido à natureza do berço. Citadino. Cosmopolita. Sitiado por convenções e crenças controladas. Tornara-se uma nota sem notação: des/notada. Anônima. Desprovida de combinações. 

Ferida por sacrílegas dissonâncias, assumira-se silente. Muda. Quase pausa. Quase elipse. Mutilada em sua natureza, adaptara-se até o possível. Impossível. A musicalidade é subjetiva. Dependente. Leal ao movimento das forças que a protagonizam.  Consequente ao processo em si e por si. Notas são resultados.  Combinações são escolhas. Talvez, das últimas tenha brotado o sintoma da atonalidade. Um recurso. Uma profilaxia autogerada que, infelizmente, desdobrou-se em não cura. Morreu a silente e anônima nota.

Seria a última? 

Em solo, a programação panóptica das hipófises permanecia em curso. Latente.  Comprometendo a integralização metabólica. Raquíticas de pensamento, as habilidades mentais  pendiam: cerceamento cognitivo. Desnutrição hormonal. Desvio da vitalidade. Cooptação de autômatos. Hormônios são fundamentais à vida em sociedade. Regulam os sintomas controláveis. Desatam os contidos. Hormônios e manipulação social computam-se na mesma tabela: conformidade. Correspondências da psicologia social. Comportamentos moldados oferecem chaves. Glândulas requerem alimentos à base de humore. Todos insaciáveis.

Em que momento algorítmico o pão/circo X nota muda  “abarulham” significados? Sim, a palavra existe. Abarulham tantos barulhos no pesado silêncio que a física acústica os estreita em estrutura e frequência. Mas é a frequência que interessa ao algoritmo dos controles e falecimentos. Mesmo por que, as estruturas estão aí, tecendo ruídos quase intransponíveis para abafar a caída dos corpos. E das melodias. Das escolhas por combinações harmônicas. Reflexivas. A frequência mantém a sociedade sob controle. Não por acaso as mídias estendem-se em redes. Redes de abarulhamentos .

Não creio ter sido a última nota a tombar, anônima, sobre a calçada do dia. As vozes sociais, alheias à repetição, encenam-se, automaticamente. Propagandeiam ruídos enquanto afagam glândulas alheias. Pisoteiam pautas melódicas como se neutralizassem o mal. 

Espectros ruidosos ocupam-nos. Ocupamo-nos deles, enquanto os silêncios são negociados a preço de repetições, abarulhando o sentido da reflexão crítica. Tomamo-nos de afásica manifestação. 

Agudos ocasionais morrem solo. 

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