Aline Vaz¹
Daniel Chacon²
Eliana Silva³
Matheus Silva4
Raquel Zarahi5
“Que o ato de estudar, no fundo, é uma atitude em frente ao mundo”.
Paulo Freire pontua em seu livro “Ação cultural para a liberdade e outros escritos” que o ato de estudar não é simplesmente memorizar, mas recriar o mundo do(a) leitor(a) e do próprio autor e autora em questão. Para Freire, o fundamental da prática do estudo não é propriamente o número de páginas ou de referências lidas, mas o processo de problematização que o/a leitor/a faz com o texto lido, de desafiar a leitura, sem a intenção de mera cópia ou pura memorização mecânica. Um texto é um conjunto de letras e palavras que significa um mundo próprio e em permanente construção.
Estudar, nessa perspectiva, é algo complexo, pois exige disciplina e um processo sistemático e contínuo de imersão nos saberes propostos. Não é possível aprender a estudar sem praticar, sem fazer esse exercício permanente que não é da ordem do natural, mas do social. As pessoas não nascem estudiosas, elas se fazem como tal. Nesse sentido, é importante lembrarmos que o estudo e a leitura são direitos, fazendo parte do acesso à Educação, como bem preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Ademais, Freire também destaca que o modelo tradicional de educação, denominado por ele de educação bancária, é extremamente problemático, pois não estimula o ato de estudar. Desse modo, adverte-nos que o bancarismo na educação mata a curiosidade, o estímulo, a criatividade da educanda e do educando, tornando a leitura dos textos puramente mecânica. O/a educando e educanda não é estimulado(a) a compreender e indagar as relações do texto com o próprio mundo.
É necessário que o sujeito assuma o seu papel no ato de estudar, e isso é fornecido no plano da cultura e do acesso. Por que muitos e muitas não colocam o estudo como um valor intrínseco? Porque não foram, assim, estimulados/as, não foram incentivados(as) e(ou) não tiveram oportunidade. A desigualdade de oportunidades na educação começa na infância, quando a escola não é inclusiva e acolhedora; quando não acredita no potencial do/a educando/a e não rompe o bancarismo; quando a criança não é estimulada pela própria família a estudar e a questionar-se no mundo e a indagar também sobre o seu próprio universo.
O imperativo de sobrevivência e da priorização de matar a fome pelas famílias, de ter onde morar, e da luta pelas necessidades básicas do ser humano, sobretudo dos/as mais desafortunados(as), entram nessa perspectiva do que deve ser considerado importante na formação.
É imperioso que as políticas públicas e a sociedade deem conta dessas questões e tratem de pensar a equidade e o combate à desigualdade de oportunidades e de acesso aos bens culturais e ao próprio estudo. Contudo, parece-nos que, atualmente, a preocupação tem sido oposta, vale lembrar aqui a proposta de taxação de livros.
Recentemente, Marisa Midori Deaecto, historiadora da USP, ao comentar tal proposta, declarou que “taxar livros é imoral e inconstitucional”, referindo-se à Reforma Tributária do atual Governo Federal proposta no Congresso Nacional. Segundo ela, o atual discurso contribui para a piora do acesso à leitura no Brasil. Ela ainda atesta que a economia referente ao livro no Brasil é pequena, assim como nos recursos disponibilizados, inquirindo o processo desigual de acesso aos bens culturais e ao conhecimento. Essa questão resvala na formação dos educadores/as de forma geral. Soma-se ainda a sobrecarga de trabalho do/a professor/a, as condições precárias no ambiente que leciona e o pouco estímulo à formação continuada, pois não somente educandos e educandas sofrem com a precarização do acesso à leitura em nosso país. Na carta de Paulo Freire aos/as professores/as, ele pontua:
“Se nossas escolas, desde a mais tenra idade de seus alunos se entregassem ao trabalho de estimular neles o gosto da leitura e o da escrita, gosto que continuasse a ser estimulado durante todo o tempo de sua escolaridade, haveria possivelmente um número bastante menor de pós-graduandos falando de sua insegurança ou de sua incapacidade de escrever” (Carta de Paulo Freire aos professores).
Isso ocorre também no contexto dos/as professores/as, que foram e são alunos/as. A escrita e a leitura não podem ser consideradas um fardo, uma “obrigação amarga”, mas sim a possibilidade crítica de ver o mundo e configurar a própria mudança nesse processo. E a educação, assim como a leitura e a escrita que dela faz parte, é um direito universal.
1Professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE/CBH/UEMG). E-mail: alinechoucair@yahoo.com.br.
2Professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE/CBH/UEMG). E-mail: prof.danielchacon@gmail.com.
3Graduanda em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE/CBH/UEMG). E-mail: elianaeduardogomes@gmail.com.
4Graduado em História pela UFMG e em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE/CBH/UEMG). Professor da Educação Básica na Escola Municipal Lúcia Viana Paiva (SME/Santa Luzia-MG). E-mail: ma.pimenta@hotmail.com.
5Graduanda em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE/CBH/UEMG). E-mail: raquel.zarahi@hotmail.com.
Para saber mais:
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 5 ed. Paz e Terra, 1981. p. 9.
FREIRE, Paulo. Carta de Paulo Freire aos professores. In: Estudos avançados. 15 (n. 42), 2001. p. 267.
Imagem de destaque: Pixaby.