Ninguém para trás 

Aleluia Heringer Lisboa 

É impressionante a produtividade dos laboratórios das tecnologias digitais. Pululam novos termos que mal damos conta de acompanhar e entender, para, em seguida, chegar o anúncio de outro, com novas funcionalidades que prometem revolucionar a educação, a indústria, o mundo do trabalho etc. E a vida continua assimilando ou ignorando cada nova promessa, algumas delas cada vez mais artificiais e distantes da realidade objetiva.

Não desconsideramos a importância e a relevância dos avanços técnicos e científicos quando esses impactam diretamente na melhoria de vida das pessoas, principalmente daquelas que ainda não resolveram os problemas básicos da existência. Onde elas estão? Do que elas precisam? Não deveríamos nos empenhar, freneticamente, em colocar os melhores recursos, inovação e inteligência à disposição delas?

Está difícil aceitar que toda pesquisa de ponta, seja da Fórmula 1 ou a que impulsiona o turismo espacial, é para gerar benefícios para a humanidade. Estamos vivendo o aumento da discrepância entre riqueza e pobreza extremas, nos níveis da 2ª Guerra Mundial, com o agravante de uma emergência climática que afetará cada vez mais as populações mais vulneráveis.

Não deixar ninguém para trás significa mudar as regras do jogo, diminuir o ritmo, para que mais pessoas possam ter condições mínimas de participar e usufruir. Diminuir o peso de nossa pegada nas montanhas, nos rios, nas florestas e na biodiversidade. Deveríamos eleger prioridades, com base em um compromisso ético e moral, para aqueles que passam fome, não acessam escolas ou não usufruem de infraestrutura básica de água e esgoto. Isso antes de qualquer outra excentricidade que afronta a dignidade daqueles considerados inúteis pelo sistema produtivo.

Parte da humanidade está passando por uma melancolia ativa. Nos assemelhamos àquela criança entediada em um quarto cheio de brinquedos. Quanto mais cresce o cardápio das coisas inúteis, mais a educação se faz relevante. Ela nos faz lembrar de que somos (ou deveríamos ser) sujeitos morais, éticos, húmus, terra. Precisamos reorganizar esse quarto abarrotado de apetrechos que virou nossas vidas. Essa é uma tarefa necessária e imposta pela emergência climática, mas também pela nossa responsabilidade em relação às crianças e aos jovens. Muitos dão sinais de que recusam essa forma de viver, que, no ímpeto de lhes agradar, oferecemos. Estes buscam a experiência simples, desde que tenha a assinatura deles. Na superficialidade do mundo virtual, eles se conectam, mas não se encontram.

O que tudo isso tem a ver com o Chatbot da Open AI, da Alibaba ou tantos outros recursos virtuais que virão encher o “nosso quartinho” existencial?  Eles movimentam o solo onde a informação se encontra; solo, esse, em constante evolução: tábuas, pedras, papiros, papel, livros, Barsa, Google. A sofisticação e a elitização crescentes são o que nos forçam a reconfigurar e dedicar mais tempo para as perguntas, para a curiosidade e para a criatividade. As experiências de vida, que só se dão vivendo, ganham mais relevância. Isso significa nos liberarmos para aquilo que nos faz humanos. A relação com o conhecimento se desloca. Não preciso estudar apenas para passar de ano ou porque vai cair na prova, mas porque tenho boas e interessantes perguntas; porque a vida me instiga, porque quero desenvolver projetos, levantar causas, resolver problemas. A escola e a educação podem ousar virar essa chave de vez. Ser o lugar do conhecimento e da pesquisa em prol da construção do bem comum, onde as crianças, desde pequenas, eduquem o olhar, a sensibilidade para o avanço e a promoção de todos. Essa tarefa é nossa e são esses feitos coletivos que deveriam ocupar as manchetes, receber os nossos aplausos e compartilhamentos. Vamos viralizar o mais belo do humano!

Sobre a autora
Diretora de Educação, Relações Institucionais e ASG do Colégio Santo Agostinho.


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